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Coringa: Delírio a Dois


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 10/10/2024
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Após um hiato devido ao período eleitoral, a Coluna Sétima Arte está de volta ao Jornal Regional e não há dúvidas de que, nesse tempo que estive longe, me fez falta escrever sobre muita coisa do mundo do Cinema, sobretudo sobre o bom desempenho do nosso maior exponencial cinematográfico dos últimos tempos no circuito internacional de mostras e festivais, o longa Ainda Estou Aqui, de Walter Salles. Porém, como esse filme só estreará em terras brasileiras no início de novembro, contento-me em abrir esse retorno da Coluna Sétima Arte comentando sobre o aguardado Coringa: Delírio a Dois, que estreou recentemente.

Cada dia mais eu confirmo minha teoria particular de que a Warner/DC é a pior inimiga da própria Warner/DC. Veja bem, o melhor filme da DC dos últimos tempos não foi um filme de herói, mas um filme de vilão, que entregava de maneira dramática um vilão perverso, complexo, fragilizado e humanizado. O processo de empatia do público para com um personagem desprezível foi incrível, o filme ganhou um concorrido Oscar de Melhor Ator para Joaquin Phoenix e todos estavam felizes. Não tinha como nada dar errado, mas deu! O retorno de Todd Phillips a esse universo do Coringa com Delírio a Dois gerou expectativas altíssimas, principalmente por causa do já citado sucesso esmagador do primeiro filme. Esse fato trouxe Arthur Fleck de volta para o centro do debate cultural no mundo da sétima arte. No entanto, ao apresentar uma sequência como musical, Phillips tomou um rumo ousado que pode surpreender — para o bem e para o mal. A grande questão aqui é: essa ousadia realmente vale a pena ou acaba sacrificando a essência da narrativa?

Diferentemente do primeiro filme, Coringa: Delírio a Dois se afasta do realismo sombrio e aposta em uma abordagem quase onírica, onde os números musicais servem para dar vida ao caótico universo de Arthur Fleck. A ideia, em tese, é fascinante: explorar a mente perturbada do protagonista por meio de canções e coreografias que refletem sua instabilidade mental. No entanto, a execução não entrega o impacto emocional esperado. As músicas e danças, por mais bem produzidas que sejam, frequentemente interrompem a fluidez da narrativa, tornando a experiência menos imersiva e, em certos momentos, enfadonha.

A trama continua a se concentrar em Arthur, agora internado em um hospital psiquiátrico após o caos que causou em Gotham, e na relação que ele desenvolve com Harleen Quinzel, interpretada por Lady Gaga. A química entre Phoenix e Gaga prometia ser um dos grandes destaques do filme, mas a personagem de Arlequina acaba sendo menos profunda do que se poderia imaginar. Gaga brilha nos números musicais, com toda a sua potência vocal e presença de palco, mas seu papel no enredo parece superficial. A Arlequina é apresentada como uma manipuladora que, tal como a mãe de Arthur, exerce um controle psicológico sobre ele, mas essa dinâmica é apenas arranhada na superfície, sem a profundidade psicológica que o tema merecia. A meu ver, uma ideia excelente, porém, mal executada.

O que também prejudica o filme é a falta de progressão dramática. Durante todo o filme, temos a impressão de que a história pouco avança. O roteiro de Phillips e Scott Silver parece confiar demais na estética musical para contar a história, mas não entrega uma evolução narrativa que prenda a atenção do público. Muitos dos temas explorados em Coringa: Delírio a Dois são repetidos do primeiro filme — o isolamento, a alienação e a violência, mas sem um novo olhar ou uma camada extra de análise. Assim, o filme acaba se arrastando, dando a sensação de que muito tempo é gasto em cenas esteticamente impressionantes, mas que dizem pouco em termos de desenvolvimento de personagem.

Apesar de tudo, Joaquin Phoenix continua impecável como Arthur Fleck. Sua entrega ao papel é intensa e visceral e ele carrega o filme nas costas em muitos momentos. Phoenix transita com maestria entre a loucura, a fragilidade e o narcisismo de Fleck, especialmente nas cenas mais íntimas, onde o musical cede espaço para um drama psicológico mais focado. No entanto, nem mesmo uma atuação tão forte consegue salvar um roteiro que não lhe dá o suporte necessário. As cenas de música e dança, que deveriam amplificar a complexidade emocional do personagem, muitas vezes apenas distraem e enfraquecem o impacto de sua jornada.

Visualmente, Coringa: Delírio a Dois é deslumbrante. A fotografia usa cores vibrantes e contrastes fortes para criar um mundo distorcido e fantasioso que reflete a mente conturbada de Arthur. As sequências musicais são particularmente belas, com jogos de luz e sombra que capturam o estado onírico da narrativa. Mas, mesmo com toda essa beleza, o filme falha e tende a não agradar ao público como deveria. O visual, embora impressionante, parece estar em desacordo com a tentativa de desconstruir o personagem principal. A estética se sobressai à história, o que pode ser frustrante para quem espera algo mais substancial.

Coringa: Delírio a Dois é um filme que vale a pena assistir? A resposta depende do que o espectador está buscando. Se você é fã do primeiro filme e espera um aprofundamento da jornada de Arthur Fleck, pode se sentir decepcionado com a falta de novidade e o excesso de números musicais que pouco agregam à trama. No entanto, se você está aberto a uma experiência cinematográfica mais experimental, que mistura drama psicológico com um toque de musical, pode encontrar algum valor na ousadia de Todd Phillips em romper com as convenções. O filme não é um desastre, mas também não é a sequência arrebatadora que muitos esperavam.

De qualquer forma, o público deve assistir a Coringa: Delírio a Dois se estiver disposto a encarar uma abordagem criativa e pouco convencional de uma história já conhecida. A mistura de musical e drama psicológico pode parecer estranha à primeira vista, mas é justamente essa tentativa de fazer algo diferente e isso, por si só, já merece crédito. Para quem busca um cinema fora dos padrões convencionais dos filmes de quadrinhos e está curioso para ver como Todd Phillips continua a subverter expectativas, Delírio a Dois oferece uma experiência visual única. Porém, para os que esperam uma continuidade emocional tão impactante quanto o primeiro filme, pode ser uma decepção. A decisão final é sua, mas vale lembrar: este é um filme que divide opiniões, e talvez essa seja sua maior força. Boa sessão!

Odailson Volpe de Abreu


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