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Nomadland


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 06/05/2021
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O grande campeão do Oscar 2021 chegou ao cinema! Tudo bem que o Oscar esse ano não teve todo o seu glamour tradicional, além disso, muitos torceram o nariz para a premiação, já que a grande maioria dos filmes concorrentes não tinha sido visto por muita gente por causa da pandemia. Mas, de qualquer forma, ostentar o título de vencedor do Oscar de Melhor Filme faz de qualquer obra um grande evento e, bem por isso, essa semana vou me dedicar a comentar sobre Nomadland. Sua estreia atrasada nos cinemas da região acaba sendo um bom motivo para dar aquela escapadinha e fazer essa experiência de imersão na vida dos nômades americanos da atualidade por meio da tela grande.

Antes de comentar sobre esse filme, é preciso comentar sobre a diretora responsável por ele, Chloé Zhao. Esse pobre mortal que voz fala nunca tinha ouvido falar dela antes de julho de 2019. Isso porque na Comic-Con de San Diego a Marvel havia divulgado o lançamento do filme Os Eternos e anunciado que a direção estaria a cargo de Chloé Zhao. Nessa época eu fiquei me perguntando: Quem é Chloé Zhao? O tempo passou, Os Eternos, que tinha estreia programada para novembro de 2020, foi fatidicamente adiado (como quase tudo nesse tempo de pandemia) e eu acabei sem conhecer o trabalho de Zhao. Mas isso foi até agora, pois, a meu ver, Nomadland justifica muito bem a escolha dela para a superprodução da Marvel. A diretora é realmente excepcional no que faz. Apenas para ter uma ideia, Nomadland, que abocanhou as duas mais cobiçadas estatuetas do Oscar, Melhor Filme e Melhor Direção (fora o Oscar de Melhor Atriz que ficou com Frances Mcdormand), foi dirigido, roteirizado, editado e produzido por ela e com uma competência magistral.

A diretora chinesa, que estudou no Reino Unido e fez carreira em Los Angeles, apresentou em sua obra um olhar muito peculiar sobre uma realidade dura, mas libertadora, o nomadismo. Seu filme encanta por ser um misto de ficção e documentário, fazendo com que o expectador se perca nas histórias, nas paisagens, nas vidas, nas liberdades. A base da trama está no livro Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century, de Jessica Bruder, que traz histórias verdadeiras, mas que são vividas por Fern, que é uma personagem fictícia. Para mais, a diretora selecionou vários nômades da vida real para que interpretassem versões de si mesmos na trama. Isso dá um peso especial à história e confere uma veracidade e realismo que estão para além da ficção.

Isso é interessante porque mostra uma faceta americana até então desconhecida por nós e muitas vezes ignorada pelos próprios americanos. Homens e mulheres que, por opção ou fatalidade, seguem sobrevivendo as intempéries da vida em meio a pobreza e o esquecimento. Muita gente olharia para esse grupo com um olhar indignado e reprovador, mas Zhao se livra de pré-julgamentos e enxerga um modo de vida, peculiar e culturalmente rico. Ao se inserir nesse contexto, a diretora se torna os olhos do expectador que aos poucos vai desvendando os motivos que levaram um ou outro para esse tipo de vida, algo que desperta profunda empatia, já que as causas em geral são sempre muito tristes.

Nomadland poderia ser classificado como um gênero que eu gosto muito, o road movie, já que sua protagonista está constantemente viajando, mas eu não me atreveria a fazer isso, já que todo road movie se baseia em chegar a algum lugar e, no caso, Fern não vai chegar a lugar nenhum, porque a realidade impôs a ela uma jornada que tem inúmera paradas, mas não tem fim.

Nesse contexto Zhao enfia o dedo na ferida ao expor a precarização da mão de obra, uma forma de trabalho aclamada como o futuro por uns ou romantizada como empreendedorismo por outros, mas que na verdade é um nome pomposo para a perda dos direitos e das garantias no trabalho ou, às vezes, até um tipo de trabalho análogo à escravidão. Isso fica muito bem ilustrado pelos vários trabalhos temporários da protagonista, inclusive como empacotadora da Amazon no período do natal. Sequencias que nos fazem refletir, pois a precarização do trabalho é um problema global e enfrentando por inúmeras pessoas inclusive em nosso país todos os dias após a trágica Reforma Trabalhista de 2017.

Com tudo isso, você já deve ter percebido que o filme é bastante cult e isso faz dele um filme lento, mas nem por isso desinteressante. Não é o tipo de filme que é entretenimento gratuito, pelo contrário ele faz você se questionar o tempo todo sobre o tipo de mensagem que a obra quer transmitir, sobre que tipo de busca a protagonista está empreendendo, se é que ela está buscando algo. Nessa trajetória o público vai se deslumbrando com a contemplação da sensação plena de liberdade que rapidamente é cerceada pela dura realidade, ou seja, o preço que é cobrado por essa sensação. Se o ritmo do filme é lento, quem não deixa ele se perder é Frances McDormand, agora duplamente vencedora do Oscar. Ela embarcou de cabeça nessa empreitada com Zhao e viajou por cinco estados durante semanas gravando esse filme. O resultado é uma interpretação de Frances McDormand bem diferente daquela a qual estamos acostumados. Oscar muito merecido. Vamos à trama!

Em Nomadland, após o colapso econômico de uma cidade na zona rural de Nevada, nos Estados Unidos, Fern, uma mulher de 60 anos, vende o pouco que lhe resta entra em sua van e parte para a estrada, vivendo uma vida fora da sociedade convencional como uma nômade moderna. 

Por que ver esse filme? Primeiro, porque ele ganhou o Oscar, é claro! Mas também, porque é aquele tipo de filme que tinha tudo para dar errado, mas que deu muito certo por causa da sensibilidade de quem estava envolvido em seu projeto. Porque Nomadland mostra a frieza do mundo, mas equilibra essa frieza com a beleza de forma intensa e muito natural. Porque é um filme muito verdadeiro, mesmo fantasiado de ficção. Boa sessão! 

 

  Odailson Volpe de Abreu

 

Odailson Volpe de Abreu


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