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Ataque dos Cães


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 02/12/2021
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Na introdução da coluna dessa semana quero dar um alerta valioso! Você perdeu a chance de ver Marighella no cinema? Então aproveite que o filme terá sua estreia no streaming esse fim de semana. No dia 04/12 o longa estará liberado no Globoplay, apenas um mês após sua estreia no cinema. Uma ótima oportunidade para assistir em casa o filme de maior bilheteria em cinemas brasileiros nesse ano de 2021. Como iniciei o texto falando sobre um lançamento em streaming, quero continuar nessa mesma trilha e me dedicar a um super lançamento do cinema independente que estreou em pouquíssimas salas de exibição na semana passada e que agora acabou de ser liberado na Netflix, o drama/western Ataque dos Cães.

A Netflix é muito esperta! Digo isso porque nos últimos anos ela aprendeu a pescar verdadeiras pérolas do cinema independente nos mais variados festivais que antecedem o Oscar. Assim sendo, volta e meia tem seus filmes indicados de uma forma ou outra na maior premiação do cinema. Eu diria que fruto dessa prática é o filme em questão, o excelente Ataque dos Cães. Num momento em que a indústria cinematográfica vive uma estagnação criativa, cheia de remakes, continuações e reboots, ver um filme como esse, totalmente original e tecnicamente tão bom, é uma verdadeira lufada de frescor.

A história de Ataque dos Cães tem como base a obra literária publica em 1967 e escrita por Thomas Savage — um autor de grande influência dentro do gênero literário Western —, foi adaptada, dirigida e roteirizada por Jane Campion. É possível que você não se lembre dessa diretora, isso porque ela não é aquele tipo de profissional que emplaca uma obra atrás da outra, já que está há um bom tempo sem entregar uma obra nova ao cinema. No entanto, sua filmografia está repleta de grandes obras, tais como O Piano, de 1993, Fogo Sagrado, 1999, e O Brilho de Uma Paixão, lançado em 2009.

Uma característica dos filmes de Campion é o fato de retratar mulheres de uma maneira muito verdadeira e instigante. Na obra em questão não é diferente. Para mais, ela constrói de maneira majestosa a protagonista de sua trama e também todos os que orbitam ao redor dela, sejam eles antagonistas ou não. Ao fazer isso, Campion esfrega na cara do público os estereótipos do homem do Oeste, tão aclamado nos filmes de Western e que, na maioria das vezes, ocultam o lado machista, misógino e sádico desses mesmos homens. Por outro lado, ela sabe exaltar também as características positivas do tal homem do Oeste, isolando-as num personagem oposto. Você perceberá isso claramente quanto conhecer Phil e George.

A trama que é ambientada no selvagem estado de Montana, na década de 1920, ostenta paisagens deslumbrantes e que foi muito, mas muito, bem aproveitadas pelo fantástico trabalho de fotografia dirigido por Ari Wegner. Será uma injustiça se esse filme não receber uma indicação ao Oscar nessa categoria. Outro aspecto técnico que contribui para o bom andamento do filme é a trilha sonora completamente sombria e que gera tensão constante. Isso tudo para construir uma belíssima metáfora sobre a vida, sobre as relações de poder e sobre a maneira como os mais fortes se impõem de forma opressora sobre os mais fracos.

Por esse motivo, o elenco não poderia ser outro senão um conjunto de brilhantes estrelas. Para começar, é importante falar sobre Kirsten Dunst, uma atriz extremamente competente e que, a meu ver, é por vezes esnobada pelos críticos de plantão. Dunst interpreta uma mulher que tem muito mais força do que aparenta, mas que vive como um peixe fora d’água numa época em que a figura feminina não tinha voz, nem vez e nem valor. Outro que dá um show como adolescente sensível e fora dos padrões é Kodi Smit-McPhee, como filho da personagem de Dunst ele cumpre muito bem o seu papel dentro da trama e é mais um do grupo dos excluídos. Além dos dois, temos Benedict Cumberbatch (grande candidato a pelo menos uma indicação ao Oscar de Melhor Ator por esse filme) e Jesse Plemons, que representam faces opostas da mesma moeda que é o homem do Oeste. Cumberbatch é bruto, machão e detestável, já Plemons é gentil, atencioso e sociável.

Da relação desses personagens, sobretudo de Kirsten Dunst, Benedict Cumberbatch e Jesse Plemons é que surge a trama. Nela, Phil e George, são dois irmãos ricos e proprietários da maior fazenda de Montana que têm suas vidas alteradas quando George se casa secretamente com uma viúva local chamada Rose. O invejoso Phil fará de tudo para atrapalhá-los. Nesse sentido, apresenta-se um Western bem diferente do que o público está acostumado, pois os embates não são na porrada ou no tiro, mas sim sutis e psicológicos. Um exemplo disso é a cena do piano, quando pressionada a tocar para uma autoridade, a pobre Rose começa uma música que é interrompida inúmeras vezes pelos seus erros. A cada pausa para recomeço, Phil a humilha tocando a mesma música em seu banjo no andar de cima. Impossível assistir e permanecer passivo diante da tensão e da irritação que a cena causa.

Eu diria que, talvez, esse seja o grande trunfo desse filme, sua grande capacidade de levar o expectador a reconhecer situações desconfortáveis, infelizmente cotidianas, vivenciadas ainda nos dias de hoje. Principalmente quando homens acreditam ter o direito de humilhar, menosprezar ou, até mesmo, torturar psicológica e fisicamente mulheres apenas por serem mais frágeis. A cada cena, a cada diálogo simples, a cada suspiro de sofrimento o público vai experimentando a sensação de tensão e revolta, até chegar o grande final. Esse filme ilustra muito bem a ideia de que não é preciso grandes reviravoltas ou plot twists para se fazer uma grande obra.

Por que ver esse filme? Porque na humilde opinião do pobre mortal que vos escreve, ele é tão bom quanto O Piano, considerado a obra-prima de Jane Campion. Além do mais, o filme não é apenas mais uma história, mas uma história que verdadeiramente tem algo a dizer. Isto posto, ao final da trama o expectador será capaz de refletir acerca de várias questões e mesmo sobre a forma como se posiciona a respeito delas. Mais do que diversão, Ataque dos Cães é uma obra de arte que está disponível na sala da sua casa. Boa sessão!

Assista ao trailer:

 

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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