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Telefone do Sr. Harrigan


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 06/10/2022
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Há quem diga que a Netflix está ruim das pernas, isso porque a concorrência, que antes era inexistente, agora tem abocanhado uma fatia cada vez maior do mercado de streaming, que segue em visível ascensão. É claro que a pandemia colaborou para que muitos conglomerados de entretenimento entrassem de cabeça nesse tipo negócio. Nos últimos anos, com as pessoas permanecendo muito mais tempo em casa a opção de assistir bons filmes e séries na segurança do lar, sem ir para rua, passou a ser quase que uma questão de sobrevivência. Agora, com o arrefecimento do COVID-19 e a volta à normalidade, parece que as pessoas aderiram de vez ao streaming. Com a briga entre os gigantes desse tipo de entretenimento, quem sempre tem a ganhar é o público. Diante da concorrência, uma forma encontrada pela Netflix de se manter em alta foi a já comentada estratégia de lançar um filme inédito, com bons diretores e atores, por semana. Nem todos são memoráveis, mas alguns são capazes de gerar grande expectativa, esse é o caso do terror O Telefone do Sr. Harrigan, lançado pela Netflix essa semana.

Stephen King é de longe o rei do terror. Ao longo de décadas, gerações se deleitaram com suas histórias fantásticas e assustadoras tanto na literatura quanto no cinema. Ele ostenta ao longo de sua carreira excelentes adaptações para o cinema, como, por exemplo, Louca Obsessão, de 1990, mas algumas outras não foram tão aclamadas assim. Principalmente as últimas adaptações de suas obras, pós 2018, deixaram muito a desejar e receberam uma enxurrada de críticas. Já o público fiel segue à espera de um grande retorno do mestre Stephen King na Sétima Arte e, ao que tudo indica, a esperança de muitos está na Netflix.

Por incrível que pareça, já faz meses que existe muito burburinho em torno dessa nova adaptação. Muita gente acredita que essa estreia será o filme que irá reverter essa tendência de péssimas adaptações de boas histórias de King. Bom para a Netflix, que em tempos de concorrência acirrada, teve muita publicidade gratuita. Bom também para o próprio Stephen King que alcançará com sua obra milhões de pessoas — muitas que nem vão ao cinema —, ao redor do mundo.

A escolha do diretor John Lee Hancock para esse filme garantiu que houvesse um meticuloso equilíbrio para as grandes diferenças que existem entre os improváveis protagonistas da história. Em sua filmografia Lee Hancock já mostrou muito bem como sabe contar boas histórias a partir de personagens poderosos, controversos e humanos. Foi assim em Walt nos Bastidores de Mary Poppins, de 2013, e também em Fome de Poder, de 2016. Agora, cabe a ele fazer com que a amizade entre um velho recluso e um adolescente seja realmente convincente. Para isso ela não tem medo de dedicar boa parte do filme para a construir e aprofundar os personagens. Há quem acredite que isso faça com que o ritmo seja arrastado, mas a meu ver essa é uma parte do filme que funciona muito bem. Afinal, para além do terror, Stenphen King é conhecido por trabalhar muito bem os dramas humanos e suas particularidades, veja, por exemplo, o excelente Um Sonho de Liberdade.

O roteiro, escrito pelo diretor, é baseado no conto que foi retirado da antologia Com Sangue (If it Bleeds) e foi construído de maneira muito meticulosa. Cada detalhe tem seu significado, como se houvesse um esforço em deixar pistas para que o público pudesse ir percebendo aos poucos que alguma coisa estranha sempre esteve ali, pronta para se desvelar. O tom constantemente sombrio e tenebroso contribui para que a história tenha um aspecto ainda mais asfixiante. O resultado disso é um clima constante de tensão, que se torna cada vez mais angustiante na medida que a trama se desenrola. Interessante é que o filme é muito mais voltado para um tipo muito inteligente de suspense do que necessariamente para o terror, naquele sentido que a maioria espera.

Com uma reflexão profunda sobre a relatividade dos valores morais e éticos da atual sociedade, o filme mostra como a alma humana, por mais afável que aparente ser, está à mercê da corrupção do poder e a um passo da violência. Para essa observação eu parto dos dois personagens centrais, que são complementares e se equilibram em cena. A inocência e a fragilidade presentes na juventude do garoto contrastam com a experiência e aparente calma do velho, misterioso e sinistro. O filme ganha peso quando o possível elemento sobrenatural entra em cena e altera completamente o andamento do que estava posto até então, fazendo com que as desconfianças do expectador realmente ganhem forma. Mas, nesse momento a direção de John Lee Hancock perde a mão e não entrega o horror que tanto se esperava. Não que seja ruim, mas a partir disso, é possível afirmar que o ponto alto da obra é muito mais a construção da tensão e muito menos a revelação central em si.

O elenco traz de volta um ator que já fez história em outra obra de Stephen King, Jaeden Martell. Ele interpretou Bill Denbrough no longa It – A Coisa, de 2017, e só isso já basta para fazer dele um dos atores perfeitos para esse papel. Nessa obra, ele interpreta o jovem Craig e expande muito mais sua forma de atuação, concedendo excelentes camadas de complexidade ao seu personagem. Já Donald Sutherland assumiu o papel do Sr. Harrigan. Sutherland é um ator de peso, com muita experiência, uma das exigências para esse personagem bastante intrigante. Além dos dois, está no elenco Kirby Howell-Baptiste, a atriz que conquistou o coração de muita gente (inclusive o meu) interpretando a adorável “Morte” na série Sandman, da Netflix (se você não viu, fica a dica!).

Vamos à trama! O filme apresenta a história de um menino que vive em uma cidade pequena e constrói uma profunda amizade com um bilionário velho e recluso. Depois de realizar alguns trabalhos pontuais para ele, o vínculo entre os dois se estreita por meio de livros e um celular. Quando o homem morre, o garoto deixa seu telefone no bolso do velho antes do enterro. Solitário, ele deixa uma mensagem para seu amigo morto. Mas, inacreditavelmente, recebe uma mensagem de volta. Nessa trama, o garoto se vê capaz de se comunicar com seu amigo mesmo no túmulo, através do celular que foi enterrado com ele. Paremos por aqui, porque isso já é informação suficiente para despertar sua curiosidade sem estragar o desenrolar da história.

Por que ver esse filme? O filme vai muito além do que seria apenas um filme de terror, ele fala sobre as relações humanas, sobre a transcendência e sobre a memória dos entes que se foram. Esse pano de fundo é bastante enriquecedor e desperta empatia no público. Por outro lado, ele entrega o que se propõe com um bom terror temperado com muitos toques de suspense. Possivelmente esse filme não é o grande divisor de água das obras de Stephen King adaptadas para a Sétima Arte. Também não atenderá as expectativas dos críticos, no entanto, os fãs com certeza irão gostar muito do filme. O Telefone do Sr. Harrigan é uma boa pedida para quem gosta do gênero e é melhor ainda porque pode ser visto em casa, no conforto da sala. Boa sessão!

Assista ao trailer:

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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