Na edição dessa semana, queridos leitores, eu pretendia escrever somente sobre Licorice Pizza, um dos indicados ao Oscar, que chegou ao cinema por estes tempos e que tem despertado muito interesse. No entanto, essa semana também estreou um filme muito curioso e que, provavelmente, pode passar despercebido por muita gente. Bem por isso, vou me dedicar também a algumas linhas sobre Coração Ardente.

Comecemos pelo filme espanhol e menos famoso, Coração Ardente. Essa obra se apresenta como uma mistura muito bem costurada de gêneros completamente diferentes. O filme é um drama religioso, recheado com um documentário e embalado por um drama ficcional. Separados, nós já sabemos que eles funcionam muito bem, pois cada um desses gêneros possui sua parcela de público fiel. Entretanto, será que eles convencem juntos?

A resposta para essa pergunta é muito particular e quase subjetiva, pois ela depende do quanto você gosta e se conecta com cada um dos gêneros. Talvez por isso o filme tenha ficado sob a responsabilidade de dois diretores, um para dirigir o documentário religioso e outro para desenvolver a trama ficcional. O primeiro é Andrés Garrigó, um verdadeiro especialista nesse tipo de filmes. Com ampla experiência em documentários religiosos, ele tem em sua filmografia o filme Fátima – O Último Milagre, que tem uma estrutura muito parecida com o filme em questão. Já o segundo diretor é Antonio Cuadri, que ostenta a direção de vários filmes para o cinema e muito trabalho para a mídia televisa.

Partindo disso, destaca-se o fato de Coração Ardente apresentar dois filmes em um. Ou seja, a história privada da vida de uma escritora que, por causa do trabalho, acaba tendo contato com um documentário sobre fenômenos misteriosos, de forma que o documentário passsa a ser um filme dentro do filme.  Eu diria que o grande problema da obra está aí, pois, a meu ver, o documentário acaba sendo muito mais interessante do que a narrativa ficcional.

De qualquer forma, uma pessoa que se proponha a ver esse filme tem consciência de que ele traz uma narrativa bastante doutrinal e, quase sempre, vai ao cinema interessado realmente na forma como ele aborda e trata o sagrado, no caso aqui, as aparições do Sagrado Coração de Jesus. Bem por isso, dificilmente o filme irá decepcionar o público mais fiel (literalmente). Tendo isso claro, pode-se compreender a trama ficcional apenas como um facilitador para as pessoas que têm mais dificuldade com os documentários.

Em contrapartida, o documentário de Garrigó, prende a atenção do espectador com entrevistas instigantes, um excelente material histórico de pesquisa e depoimentos de testemunhas que são de arrepiar. Outro ponto alto dessa parte especifica de Coração Ardente são suas locações, que levam o público por uma verdadeira viagem por vários países. Vamos à trama!

Coração Ardente conta a história de Lupe Valdés, uma escritora de sucesso que investiga as aparições do Sagrado Coração de Jesus, em busca de inspiração para o seu próximo romance. Guiada por Maria, uma perita em mistérios, ela descobrirá as revelações de Jesus à freira francesa Santa Margarida Maria Alacoque e encontrará santos, assassinos, exorcistas, papas, presidentes, conspiradores... além de milagres e crimes pelo caminho. Por meio de sua pesquisa, Lupe também descobrirá os segredos do seu próprio coração, afligido por velhas feridas que precisam ser curadas.

Por que ver esse filme? Para os católicos — principalmente para os da cidade de Nova Esperança que tem o Coração de Jesus como padroeiro —, essa é uma obra de primeiro interesse, pois nunca antes um filme documentou de forma tão abrangente e respeitosa os mistérios que envolvem umas das espiritualidades mais difundidas dentro da Igreja Católica, a espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus. Para os não católicos esse é um convite para conhecer um pouco mais sobre a personificação do amor de Deus segundo essa tradição milenar.

Assista ao trailer - Coração Ardente

Agora, o outro filme, Licorice Pizza. Ele traz de volta o famoso diretor Paul Thomas Anderson correndo por fora na corrida pelo Oscar (que acontecerá no próximo dia 26 de março). Na minha humilde opinião Licorice Pizza não tem o mesmo apelo emocional que O Ataque dos Cães, mas encanta tanto quanto! Ostentando três indicações — todas nas principais categorias: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original —, ele é o filme mais pop e mais leve até então entregue por Anderson. Esse fato soma muito a seu favor e há quem diga que ele pode pesar na balança final e surpreender a todos na noite da premiação.

O roteiro assinado pelo próprio diretor é fluído dando destaque especificamente aos personagens e suas relações. Embalado por um belíssimo e colorido trabalho de fotografia, ele transporta o público para o início da década de 1970 de uma forma como não estamos acostumados a ver no cinema. 

O trabalho técnico, como em todo filme de Paul Thomas Anderson, é excepcional. Seus planos sequência, planos abertos e mesmo os zoons que vão fechando nos rostos dos personagens, são recursos que enriquecem uma narrativa nada linear e muito objetiva. Outro exemplo da maestria de Anderson é a abertura do filme, fique atento a ela, pois é um dos diferenciais que podem fazer surpreender no resultado no Oscar.

Além disso, o elenco dá um show e tem muita gente reclamando por ele não ter sido agraciado nas indicações ao Oscar. Dos atores e atrizes que compõem a obra, os estreantes Cooper Hoffman e Alana Haim roubam a cena. Hoffman e sua interpretação de um adolescente inquieto e inventivo faz com que ele facilmente seja confundido como protagonista da trama. Mas fique atento, ele não é! O papel principal é destinado a Alana, mais velha que o personagem de Hoffman e seu completo oposto, indecisa e insegura. Difícil imaginar que eles comporiam um casal. Isso porque, além da diferença de idade, as personalidades são completamente conflitantes. Mas acredite, eles possuem muita química e entregam interpretações à altura. Além deles estão no filme Bradley Cooper, Sean Penn e Tom Waits. Vamos à trama!

O casal Alana Kane e Gary Valentine vivem intensamente no Vale de San Fernando, nos idos de 1973. Os dois iniciam vários negócios, flertam, fingem que não se importam um com o outro e, cada vez mais, se apaixonam por outras pessoas para evitarem a paixão que sentem um pelo outro. Para onde e como a vida irá levá-los é o mais importante nesse romance disfuncional.

Por que ver esse filme? Porque o filme é a junção perfeita de um trabalho visual, narrativo e de interpretação excepcionais. Para mais, só a genialidade de Paul Thomas Anderson já basta para justificar a ida ao cinema. Por fim, porque o filme fala de paixão, de vida, de amadurecimento e de passado de uma forma muito poética. Uma verdadeira história de amor para agradar muita gente. Boa sessão!

Assista ao trailer – Licorice Pizza