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Amor, Sublime Amor


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 09/12/2021
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Para começar a Coluna dessa semana quero retomar a temática da censura. É vergonhoso que em pleno século XXI o Brasil viva o retrocesso da censura de forma tão descarada e que a população encare isso de maneira tão natural. Se você acompanha a Coluna com frequência percebeu que, por mais de uma vez, citei e critiquei a prática insistente de censura que a Ancine – Agência Nacional do Cinema, tem assumido durante o (des)governo de Jair Bolsonaro. Não é de hoje que fazer cinema no Brasil se tornou sinônimo de subversão, crítica e resistência a tudo aquilo que a parcela mais retrógrada da sociedade brasileira defende e ostenta. Talvez por isso, a sétima arte tenha sido tão atacada e sucateada em tempos de governo pró fascismo.

A vítima mais recente da censura da Ancine é Medida Provisória, o primeiro filme do talentoso ator Lázaro Ramos, que agora inicia a sua carreira como diretor. A sinopse provisória da obra traz as seguintes informações: "Em um futuro próximo e distópico no Brasil, um governo autoritário ordena que todos os cidadãos afrodescendentes se mudem para a África, criando caos, protestos e um movimento de resistência clandestino que inspira a nação”. A partir disso você já percebe claramente que a motivação da censura é política!

Entenda o caso. Medida Provisória encerrou suas filmagens há mais ou menos dois anos, passado o tempo de finalização da obra a expectativa era que ela fosse lançada em novembro de 2020. Ou seja, mais de um ano depois da previsão de estreia o filme segue inédito porque a Ancine não libera sua exibição. Inúmeras solicitações oficiais foram feitas por parte da produtora à Agência Nacional do Cinema, que segue em silêncio a respeito da questão. Agora, caro leitor, me diga você: Estamos ou não vivendo tempos de opressão e supressão da arte por meio da censura em terras brasileiras?  Até quando continuaremos enfrentando esses tempos sombrios?

Mas se, por um lado, o sentimento é de tristeza por causa da realidade cultural brasileira, por outro, muitos lançamentos no cinema seguem acontecendo, dentre eles o destaque dessa semana, o remake do clássico Amor, Sublime Amor, assinado por ninguém menos que grande Steven Spielberg. Todas as informações relevantes sobre esse filme você confere na Coluna de hoje.

Ou a crise criativa em Hollywood está pior do que imaginamos, ou o revisionismo está ganhando ares de tendência nessa contemporaneidade opaca que estamos vivendo. Repetidas vezes eu tenho comentado sobre como as obras originais estão se tornado escassas na indústria cinematográfica. E, para reforçar essa ideia, agora temos uma das maiores mentes criativas do cinema de todos os tempos se entregando a essa onda de remakes. Já faz um tempo que recebi a notícia que Steven Spielberg estaria se dedicando a uma regravação do clássico Amor, Sublime Amor, de 1961. Ao ouvir isso surgiu aquela pontinha de dúvida: o que motiva um homem com tamanha capacidade de inovação refazer o que alguém já fez? Mas, quando você olha a extensa filmografia de Spielberg, percebe que ele não assumiria a empreitada se não tivesse muito a contribuir.

Spielberg impõe excelência a tudo o que faz e transita entre os gêneros de forma muito natural. Se suas obras pop conquistaram o grande público, foram suas obras mais densas e eruditas que convenceram a crítica e arrastaram multidões ao cinema. Seus dramas são sempre grandes eventos cinematográficos e, dentre eles, estão alguns filmes que considero como meus favoritos, como, por exemplo, A Cor Púrpura, A Lista de Schindler, Amistad e o incrível O Resgate do Soldado Ryan. Mas, são obras como E.T. ou Os Caçadores da Arca Perdida que se tornaram ícones da cultura pop.

Agora, Spiebelg se aventura por um gênero ainda não explorado por ele, o musical, e a escolha não foi uma história qualquer, mas um musical que marcou época no cinema. Amor, Sublime Amor (ou West Side Story, no original) foi lançado como espetáculo da Broadway em 1957, pouco tempo depois, em 1961, chegou aos cinemas e foi um estrondoso sucesso. O filme dirigido por Robert Wise é considerado um divisor de águas para o gênero que é tão característico da Era de Ouro do cinema (entre os anos 1920 e 1960). Tanto que, no Oscar de 1962, esse filme concorreu a 11 estatuetas e levou 10 para casa. Um verdadeiro fenômeno.

Em entrevista recente, Spielberg declarou que fazer uma releitura dessa história era um desejo de infância, já que ele ouviu ainda criança a trilha sonora do filme e ficou apaixonado. Isso já dá um forte indício do que esperar dessa obra, um filme mais autoral e com um ponto de vista bem particular. Nesse sentido, se existe alguém que poderia levar essa trama de sucesso para o cinema sem macular a história que já foi construída anteriormente por ela, é Spielberg.

Sobre o filme, é preciso considerar que ele tem como base a popular, lendária e famosa trama shakespeariana de Romeu e Julieta.  Ambientada na Nova York de 1957, traz como temática principal a rivalidade juvenil e o amor impossível. No contexto, apresentam-se as gangues Jets, formada por estadunidenses brancos, e os Sharks, descendentes de porto-riquenhos. Essas gangues são rivais e tentam controlar o bairro de Upper West Side. Numa festa, Maria, irmã do líder dos Sharks se apaixona por Tony, pertencente aos Jets. Para viver esse amor proibido os dois terão que enfrentar tudo e todos.

Agora que você já conhece a sinopse, vamos para os pontos relevantes! Por mais premiada que seja, a versão de 1961 trazia dois problemas pontuais: a polêmica sobre a adequação da cor da pele de uma das atrizes (na época a atriz porto-riquenha Rita Moreno teve sua pele escurecida para interpretar a personagem Anita) e a pouca representatividade latina no elenco. Partindo disso, o primeiro desafio de Spielberg era escolher e dirigir um elenco que estivesse de acordo com a história. Spielberg, não apenas escolheu um elenco adequado, como também, quase todo, inédito. Em sua maioria são profissionais desconhecidos e que não deixaram nada a desejar. Como destaque para os atores protagonistas, Rachel Zegler e Ansel Elgort, que possuem muita química e convencem demais como casal central. Além deles, há o retorno triunfante de Rita Moreno, no papel de Valentina e a boa surpresa que foi a escolha de Ariana DeBose para o papel da sarcástica Anita (DeBose já brilhou muito no musical Hamilton, vale a pena conferir e a obra está disponível no Disney Plus).

Outro ponto relevante de Amor, Sublime Amor é a sua adaptação. O roteirista Tony Kusher sabe muito bem que a história apresentada na trama ainda é atual, isso porque mais do que uma história de amor, é uma história sobre preconceito e aceitação, num país onde até hoje a maioria torce o nariz para os imigrantes. Bem por isso, a adaptação manteve a ambientação no final dos anos 1950, demonstrando como os problemas enfrentados naquela época ainda são latentes na sociedade atual. Um filme que encanta, mas que tem como pano de fundo uma boa dose de crítica social.

Não é possível falar sobre musicais e não falar sobre as canções e as performances de dança. Em Amor, Sublime Amor essas sequências são incríveis, ganhando destaque o solo “Maria”, que é entoado logo após Tony conhecer sua grande paixão e para a música “América”, interpretada pelos Jets. Somando todo o conjunto formado por melodia, coreografia, interpretação, fotografia e direção de arte, o que se apresenta é um verdadeiro espetáculo, digno dos maiores musicais clássicos da Era de Ouro do cinema americano.

Por que ver esse filme? Porque é uma obra imersiva e completamente envolvente, o expectador irá se divertir, se emocionar e ficar tenso de maneira muito natural. Para mais, a execução técnica é excepcional, movimentos, músicas, vozes tudo em perfeita harmonia. As locações escolhidas a dedo revelam espaços de Nova York que estão intocados pelo tempo e que revelam uma cidade que ainda tem características do final dos anos 1950 e início de 1960. Por fim, porque é uma obra de Steven Spielberg e só isso já basta para você ter a certeza que está diante de um grande filme. Boa sessão!

Assista ao trailer:

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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