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A esperança que vence a culpa!


Por: Fernando Razente
Data: 04/01/2019
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Sentença: “Depois a vergonha novamente inflamava-se em sua alma, apoderando-se dela de uma vez por todas, e tudo se reduzia a cinzas, as coisas levadas ao extremo.” – Fiódor Dostoiévski in Uma anedota infame, p.91, 92. 

Em 1862, Fiódor Dostoievski (1821-1881) publicava uma novela em capítulos intitulada de “Uma Anedota Infame”. Nela, o prodigioso escritor russo elabora um breve conto sobre o marcante acontecimento na vida de um general e alto funcionário público chamado Ivan Ilítch. Por meio desta anedota, Dostoiévski ensina aos seus leitores aquilo que em Crime e Castigo ele iria genialmente fundamentar. Que existe uma lei moral, abstrata, inflexível e impressa na mente humana que compensa tudo aquilo que fazemos (consciente ou não) com implicações que não imaginávamos ter. Ela é inescapável, embora tentemos suprimi-la. 

A novela literária conta que certa noite, após um jantar com amigos, Ivan – o soberbo e vaidoso general – decidiu ir pra casa andando, enquanto sentia a brisa fresca da madrugada. Ao passar, por acaso, em frente ao local onde acontecia o casamento de Pseldonímov (um de seus subalternos), o general decidiu entrar e dar ao empregado e convidados a honra de sua gloriosa presença. Acontece que essa decisão resultou no pior dia da vida de Ivan. O que se verificou foi simplesmente uma tragédia, daquelas de destruir reputações e encher um coração de culpa, vergonha e autodesprezo. A consciência de Ivan não conseguiu escapar à realidade da lei moral.

Na festa, o general Ivan aos poucos foi se deixando dominar pela vodca. Ficou inebriado, perdendo o controle e a ordem dos seus sentidos. Falou coisas vergonhosas e insensatas. Ivan estava tão fora de si que acabou dormindo no próprio salão onde acontecia o casamento. Na manhã do outro dia Ivan despertou. Um gosto infame sua língua identificava e aos poucos o general recobrava sua consciência. Ivan soergueu-se, olhou em volta e começou a refletir. Quando compreendeu tudo o que havia acontecido na noite anterior (como discursar ridiculamente bêbado sobre a mesa), ficou estarrecido. Sua consciência lhe acusava – com uma terrível clareza – de que suas atitudes foram grandemente baixas e presunçosas. À essa acusação psíquica, Ivan não conseguia escapar e isso o deixou tomado pela vergonha. Ivan sentia tormentos terríveis no coração e uma melancolia tão repentina que não sabia como reagir. Durante um tempo, cheio de medo e culpa (“troco” das ações) ele tentou fugir de sua realidade. Como Adão e Eva, Ivan queria solitude e isolamento. Pensou até em virar monge. Por oito dias Ivan não saiu de casa e nem apareceu no trabalho. Estava doente, tensamente doente, obviamente, a causa era moral. Estava fugindo como podia daquilo que não se podia fugir: a culpa como efeito indecifrável e infalível da imoralidade. 

O fim da anedota mostra Ivan Ilítch fugindo da situação, rejeitando reconhecer em público sua petulância do mesmo modo como a demonstrou. Alguns acreditam que a inflexibilidade diante de um erro moral é a demonstração de que o conflito moral não existe. Mas, estão errados. Confundem aparência com foro íntimo. Ainda que Ivan não tenha sido dobrado pela culpa ao ponto de se arrepender, seu coração, secretamente, estava atordoado, lutando em vão contra sua consciência ferida. Ivan estava tentando suprimir e deter as consequências inevitáveis da quebra dessa lei moral, o que lhe levava a estados de ansiedade, medo, insegurança e alarme. Mas não havia, paz!

Li essa anedota em um período, digamos... de conflitos existenciais. Ela me ensinou que todos nós temos momentos de existence manquée, isto é, experiências de falhas morais resultantes de nossa ignorância e insensatez que nos fazem olhar para dentro do abismo escuro dentro de nós e dizer: “Como eu pude fazer isso?”. Essa supressa é fruto de uma ideia alimentada na nossa consciência de que somos bons, puros e santinhos naturalmente, e que, quando isso é destroçado pela realidade ficamos apavorados. Descobrirmos que temos responsabilidades no mal que existe no mundo, mas principalmente no mal que existe em nós mesmos. Não somos vítimas, somos os criminosos.  Pessoas extremamente orgulhosas e farisaicas como Ivan não conseguem mais ver esperanças na vida depois dessas quedas, pois, se a vida deles era feliz enquanto conseguiam conviver com a lei moral inescapável, agora é infeliz, porque são perseguidos e aguilhoados pela culpa de não serem capazes de cumprir as exigências dessa lei.  Como, então, encontrar a paz que dissipa a culpa, o medo e a vergonha? Há esperança?  

Primeiro, essa lei nada mais é que a expressão, ainda que manchada na consciência humana, do próprio Deus. A culpa sabe que a ira vem, e a ira é de Deus. Por isso as inúteis tentativas de supressão da consciência ou da busca de construção de regras para se cumprir e amenizar a mente. Elas são tentativas para sanar o problema que só encontra solução fora de nós.

 Caro leitor, não sou teólogo, mas tive que aprender estudando a Bíblia e dando ouvido aos teólogos capacitados que a solução deste dilema psicológico se encontra no significado redentivo que há na história da vida e morte de Jesus Cristo. Tive que aprender a crer que a esperança dos criminosos castigados pela lei, como eu, é a justificação pela fé em Jesus Cristo, àquele que, ao cumprir a mesma lei que quebramos, imputou a nós - de graça - as consequências da obediência: paz com Deus, o autor da lei e da nossa consciência.

 Por isso creio que a melhor forma de agir nas quedas morais não é como o general Ivan que tenta sustentar uma falsa felicidade enquanto suprime a verdade que incomoda a consciência, mas com fé e disposição, encararmos de modo direto a realidade que somos mesmo imperfeitos, fracos e imorais. Aceitar nossas falhas e crimes, confessando-os a Deus, suplicando o perdão em Cristo e procurando arrependimento e graça, e assim, não permitir a vergonha reduzir - com o poder que tem - todo nosso sopro de vida às cinzas. É abrir o caminho a verdadeira paz de espírito!

Um 2019 a todos os leitores com o coração cheio da paz com Deus! 

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OBRA: DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Uma anedota infame. Porto Alegre, RS. L&PM POCKET, 2017. 

 

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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