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Sentença: “Os animais dividiram-se em duas facções que se alinhavam sob os dísticos: “Vote em Bola-de-Neve e na semana de três dias” e “Vote em Napoleão e na manjedoura cheia”. Benjamin foi o único animal que não tomou partido. Recusava-se a crer, tanto em que haveria fartura de alimento como em que o moinho de vento economizaria trabalho. Moinho ou não moinho, dizia ele, a vida seguiria como sempre – ou seja, mal.” – George Orwell in A Revolução dos Bichos, p.45.

Alguns meses atrás – no período de pré-eleição – escrevi um texto publicado pelo Jornal Noroeste intitulado de: “LULA É A NOSSA ESPERANÇA!”. Nele discorri sobre os perigos que a esquerda faz seus eleitores correrem ao tomar a política como seu instrumento ideológico de redenção, isto é, o partido como religião e produtor da solução para todos os problemas da humanidade.

Evidentemente, minha crítica se dirigiu mais aos petistas, que desesperados com a possível ou não candidatura do ex-presidente Lula, seu baluarte supremo, proliferavam discursos com características daquilo que Michael Joseph Oakeshott (1901-1990) chamou de políticas da fé, o contraponto da preferível política do ceticismo. Ainda que haja colunistas e eleitores comprometidos em defender a inocência e a beatificação de Lula, meu objetivo aqui é tocar em outro devaneio, a posição devota na política da fé dos bolsominions, os new conservatives.

Por bolsominions compreendo uma classe dos eleitores de Jair Bolsonaro que não só acreditam mas defendem a possibilidade de novos céus e uma nova terra por meio do governo do capitão reformado. Por new conservatives entendo os mesmos eleitores, porém de uma direita religiosa que utilizam a palavra conservador de um modo muito confuso.

Do ponto de vista filosófico, nas palavras de Luiz Felipe Pondé, o “pensamento conservador é filho do ceticismo. Ele não é filho de paranoicos religiosos.” Os teóricos políticos conservadores tradicionais eram pessoas bastante céticas e empiristas, como David Hume (1711-1776), Adam Smith (1723-1790), Edmund Burke (1729-1797) e mais recentemente com Oakeshott. Eles partem do pressuposto que hábitos e costumes são importantes, e que políticas revolucionárias de gabinete que tem como fundamento um novo conceito abstrato de mundo são perigosas. O ceticismo filosófico (pai do conservadorismo) portanto, sempre olha com insegurança e falta de fé para novos ideais sensacionais na política.

Para representar com mais leveza a diferença entre essas duas vertentes, a da “política da fé” e “política do ceticismo”, me apropriei de alguns personagens da obra fictícia “A Revolução dos Bichos”, escrita pelo jornalista George Orwell (1903-1950). No meu ponto de vista, Benjamin, um burro velinho, é um ótimo exemplo a ser seguido pelos bolsominions de como ser um conservador e não fazer olhar a política como olham os marxistas, um lugar para revoluções abstratas.

Na sua fábula política publicada em 1945, Orwell se utiliza de analogias para fazer críticas aos governos totalitários como o de Stalin. No conto, animais de todas as espécies, criados em uma fazenda, começam a dar ouvidos a um porco revolucionário chamado Major. Major queria uma transformação radical. A realidade, segundo ele, deveria ser interpretada por outros olhos. Suas ideias ganharam muita força depois de morto e seus ouvintes mais apaixonados trataram de colocá-las em prática. O resultado foi que depois de muito desgosto com o dono da fazenda, o Sr. Jones, os bichos colocaram a prática da economia animalista, isto é, se revoltaram e expulsaram de lá Jones, os trabalhadores e sua esposa, tomando assim eles mesmos conta de toda propriedade e produção. A partir disso, os bichos começaram a desenvolver uma nova filosofia de vida, nova organização, com leis, horários, atividades específicas, distribuição de alimento e de trabalho, lançando mão de toda a história animal e sua relação com o homem. Tudo era muito regulado pela classe dos porcos, eleitos como os mais sábios por conta do grande porco Major. O personagem “conservador” dessa narrativa pode ser identificado na figura de um burro chamado Benjamin.

Benjamin era o animal mais velho da fazenda e também o mais moderado. Falava pouco e era dono de um cinismo peculiar. Desde os discursos de Major, Benjamin sempre mantinha-se calmo e indiferente. Na sua visão política, a empolgação revolucionária era vã e poderia piorar a situação, ainda que o sistema fosse outro.

 No decorrer do conto chega um momento onde dois porcos, herdeiros da tradição de Major e líderes da bicharada, discordam em pontos cruciais. Eram eles: Bola-de-Neve e Napoleão. A briga girava em torno de qual administração política seria a ideal para que todos os bichos vivessem felizes.

Independente do nome ou das posições, os dois porcos estavam fazendo políticas de fé. A política de fé é uma política de perfeição, onde a padronização da sociedade é estabelecida por meio de um ideal extremamente particular, acreditando na viabilização e criação de um mundo sem maldade, sem problemas e sem dor por meio do Estado.  Nos dias de hoje podemos identificar as políticas de fé quando o Estado se propõe a estabelecer padronizações sociais através de visões utópicas, revolucionárias e extraordinárias a todos, lançado mão de toda tradição comportamental e hábitos sociais. Se por um lado o porco Bola-de-Neve propunha soluções rápidas, o porco Napoleão propunha prosperidade nunca antes experimentada. Eram propostas por demais inovadoras e fora da realidade.

Apesar de tudo, Benjamin permanecia apático a todas essas inovações e essa é a posição ideal do conservador tradicional (diferente dos bolsominions). Ou seja, uma postura de apatheia (do grego: sem paixões ou emoções).

Para Benjamin, não há muita esperança na política. Não é possível, por meio de nenhum projeto político escapar a realidade cruenta da sociedade, “a vida” nas palavras do burro, “seguiria como sempre – ou seja, mal.” Alimentar paixões de uma vida nunca antes experimentada era perca de tempo, logo, tudo voltaria a ser mais do mesmo.

 Bolsominions ou new conservatives precisam se voltar para a tradição filosófica da direita e abandonar as políticas de fé, a paixão pelo mito, a tola imaginação de um retorno da ditadura militar, o pragmatismo intelectual, e encarar a realidade de que nenhum sistema político há de desarraigar do coração humano a corrupção ou fazer real um mundo sonhado. Em sua obra Crítica e Profecia: A filosofia da Religião em Dostoiévski, o filósofo Luiz Felipe Pondé deixa isso claro quando escreve que “o mal faz parte da condição ontológica do ser humano: para onde quer que ele vá, a partir de sua razão materialista moderna, arrastará o mal consigo.”

Não caro eleitor, Bolsonaro não salvará o país. O mito continua sendo uma pessoa comum, passível de erro e dependente de uma equipe. Vamos com calma. No máximo, experimentaremos um pouco mais de liberdade econômica, democratização educacional e menos Estado, mas a tristeza não será cortada da terra dos viventes tão cedo através da política.

Para os menos familiarizados, talvez fique a impressão de que a política do ceticismo é fatalista. Mas não é. Talvez vejam-na como melancólica. Mas também não é. Ela é apenas realista, compreendendo que a humanidade é cruel, que o mal é, infelizmente, ontológico e que conforme Oakeshott entendia, se o homem é imperfeito, não será possível construir por qualquer meio, sobretudo pela política, uma sociedade perfeita. Basta-nos vivermos como o burro Benjamin, moderados, céticos e por que não, apáticos?

Obra: ORWELL, George. A Revolução dos Bichos. São Paulo, SP. Companhia das Letras, 2007.

 

 

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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