Você já redimiu sua comunicação?
Sentença: "Para uma pessoa realmente humana, não será suficiente limitar-se a não provocar ou aumentar as inimizades, com ditos malévolos, mas também procurar extingui-las com boas palavras." - Santo Agostinho in Confissões, p.254. 1ª ed. São Paulo, SP. Editora Paulus, 2002.
Durante todo o período eleitoral e até o presente momento estabeleceu-se uma grande nuvem de tensão social sobre nossas cabeças deixando o tempo “meio fechado”. Famílias, amigos e colegas de trabalho entraram em debates e conflitos devido as suas diferentes opiniões e preferências políticas, tornando o assunto num tema muito delicado.
Algumas pessoas, nesse nevoeiro acinzentado, mantiveram-se caladas por diversos motivos: medo, insegurança ou até mesmo covardia. Outros permaneceram isentos de discussões alegando um motivo mais nobre: “Não quero que minha opinião venha provocar ou piorar a situação de ódio e inimizade que já existe”.
De fato, há tempo para todas as coisas. Em certos momentos o silêncio é o ideal, mas não se trata de um padrão para todas as circunstâncias onde há conflitos. Manter-se calado pode ser sensato e inteligente em alguns casos, mas levar isso como regra carrega um problema de paradoxo.
Veja, se por um lado é um crime comissivo contra a comunicação criar contendas através de provocações, insultos e pirraças, não dizer nada, silenciando e permitindo que isso ocorra livremente também se trata de um crime contra a comunicação, um crime omissivo.
Como Aurélio Agostinho (354-430), teólogo cristão do período medieval, deixou registrado em suas meditações: “Para uma pessoa realmente humana, não será suficiente limitar-se a não provocar ou aumentar as inimizades, com ditos malévolos”.
Ou seja, não basta apenas silenciar e fugir de debates cheios de ultrajes e detrações. É preciso redimir a comunicação desses ditos malévolos e “procurar extingui-las com boas palavras." Isto é, ao mesmo tempo em que deixamos de piorar ou alimentar uma situação ofensiva com palavras rudes e violentas, é necessário resgatar a essência da comunicação inserindo na conversa palavras afáveis, puras, sábias e respeitosas, substituindo o ranger de dentes pelas sóbrias e pacientes declarações.
A presente conjuntura política, associada às crises internas do país, mais a insatisfação de cada cidadão eclodiu nas conversas e a comunicação ficou poluída de ataques e má educação. A comunicação ficou escrava do ódio, subordinada à irracionalidade e cativa às paixões. A missão de cada um de nós agora é resgatar a qualidade das nossas conversações, não omitindo e nos escondendo – exceto nos momentos que é imperativo calar – mas, preenchendo nossos diálogos com aquilo que há de mais belo, verdadeiro e amável na linguagem humana.
Obra: AGOSTINHO, Santo. Confissões. 1ª ed. São Paulo, SP. Editora Paulus, 2002.
Fernando Razente
Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.