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Sentença: "[...] é necessário que o que se formula teoricamente seja submetido a um diálogo com outras proposições teóricas, seja para reforço ou para refutação." - José D'Assunção Barros in Teoria e Formação do Historiador, p.41.

Na frase acima, José D’Assunção Barros (doutor em História pela Universidade Federal de Fluminense – UFF) em seu livro Teoria e Formação do Historiador, deixa claro aos alunos do curso de História que, em um processo de desenvolvimento das ideias e teorias, deve haver uma exposição das mesmas aos conflitos lógicos. Uma espécie de espaço para as teorias se digladiarem com o objetivo de provar qual delas tem veracidade e eficiência e qual é inviável. Como acadêmico de História, é isso que aprendendo estudando e que, devo na faculdade ou no espaço público, levar como princípio para o meu cotidiano a metodologia da História ao expor minha visão sobre algo. Se desejo provar que meu ponto de vista está certo, preciso estar disposto a dialogar e lidar com as discordâncias e questionamentos que virão de modo racional e democrata. 

Aceitar que meu entendimento a respeito de algo seja posto à prova através de críticas é um claro sinal de humildade, mostrando disposição em buscar a verdade sobre o tema. Do contrário, impor – sem diálogo – uma perspectiva particular e sem explicações, impedindo questionamentos, é sinal claro de autoritarismo. No espaço público, quando uma visão particular que não aceita divergências começa a ser agenciada por algum partido, é a semente do fascismo. É antidemocrático e tirânico. É a ditadura intelectual que cerceia o espírito crítico. Infelizmente, vivemos um exemplo desse espírito tirânico na semana passada.

Na última quinta-feira (13), no O Encontro com Fátima Bernardes, Kéfera Buchmann (atriz, vlogueira e escritora brasileira militante do feminismo) – a mesma que rompeu laços com a mãe que optou votar em Bolsonaro –, foi convidada juntamente com outros atores para debater sobre o feminismo. O debate aparentava ir bem, com ares de amor, tolerância e bondade. Bem, isso enquanto somente os atores (pró-feminismo) falavam. Quando Fátima Bernardes decidiu abrir o diálogo para a plateia participar, o autoritarismo raiou no estúdio da Globo. 

Um dos expectadores chamado Wallace resolveu dar sua versão e sua experiência prática com o feminismo. Segundo o comparte, as feministas pedem respeito e tolerância, mas costumam agredir os homens indiscriminadamente, isto é, simplesmente por serem homens. Quando questionado por Fátima Bernardes, Wallace disse com humildade considerar legítima a luta por igualdade entre homens e mulheres e pelo fim do assédio, mas contou que certa vez foi maltratado por uma feminista. Irritada, Kéfera percebeu que sua teoria feminista estava sendo esmiuçada pela realidade prática, e então partiu para arrogância na tentativa de desqualificar seu interlocutor baseado em seu sexo: "Wallace, o que você está fazendo é mansplaining, que é o homem explicar o feminismo para a mulher. Não é necessário, a gente sabe muito bem o que é feminismo e a gente entende o seu ponto de vista. Só que é desnecessário", afirmou a atriz.

Wallace até tentou retomar o raciocínio, mas Kefera, mais uma vez, o interrompeu com arrogância, dizendo: "Agora você está manterrupting, que é quando você tenta interromper uma mulher, explicando o que é feminismo para vocês", disse. "Entenda: não é o seu lugar de fala. Você pode ouvir, complementar e nos respeitar. Você não tem o que explicar pra gente", concluiu.

O que Kéfera demonstrou com sua histeria retórica ressentida é que não aceita ser questionada. Não aceita que sua visão seja colocada à prova. Enfim, não aceita críticas e divergências, como é típico de uma mentalidade tirânica que deseja impor sua opinião como verdade absoluta, ansiando que os seus próprios limites de campo de visão sejam os limites do mundo.  

Com isso, Kéfera provou mais uma vez que o grande anseio do feminismo está longe de ser a igualdade, mas autoridade e subversão. O grande temor da intelectualidade orgânica do feminismo não é o patriarcado, mas o debate aberto e sem censura. As filhas de Frida e de Simone de Beauvoir, que dizem ser o novo espírito crítico da sociedade, veem o espírito crítico dos seus oponentes como algo subversivo, inflamatório e portanto indigno de ser pronunciado. 

O apelo ao “lugar de fala” de Kéfera (somente mulheres podem falar sobre mulheres) despreza a liberdade que o debate aberto proporciona e os progressos que pode gerar. Isso porque o enxerga como um gerador de divergências, dúvidas e profundidade argumentativa, algo que estimula a análise crítica e impede a uniformidade intelectual barrando uma possível hegemonia de pensamento que gera totalitarismo. O debate sem censura, evita a predominância do chamado "pensamento de manada" e da proliferação de dogmas ideológicos inquestionáveis (base da revolução cultural).

Como defensor do principio dialético nas discussões, espero que nenhum movimento social siga o exemplo deste femismo de Kéfera trajado de luta por igualdade, que no vocal defende a democracia, a liberdade individual e que luta contra a opressão e as interdições dos discursos, mas que na prática cotidiana age conforme aquilo que diz acusar, limitando e impedindo as disputas retóricas, cerceando a liberdade de expressão individual com termos esdrúxulos e oprimindo os questionadores com autoritarismo. 

É necessário, como escreveu D’Assunção, que uma teoria, um entendimento, uma percepção, seja sobre o que for na história, sobre a mulher, o homem, a vida ou a morte, seja posto em discussão longe de demarcações sexistas, mas baseada tão somente na dignidade do ser humano em raciocinar, argumentar e fazer juízos livremente no espaço público. 

“Num programa da Globo, o episódio envolvendo Kéfera serviu como exemplo cristalino do que significa o apelo ao "lugar de fala": a tentativa de destruição do espaço público como ambiente privilegiado para discussão livre. O feminismo virou uma versão "limpinha" de autoritarismo.” – Francisco Razzo (Professor de Filosofia e autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", pela Record) 

OBRA: BARROS, José D’Assunção. Teoria e formação do historiador. Petrópolis, RJ. Vozes, 2017.


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