Conta de energia pode ficar mais barata com novo marco regulatório do setor
O projeto permite a portabilidade da conta de luz entre distribuidoras de energia
Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr
Encaminhado para a Câmara na quarta-feira (10), o projeto do novo marco do setor elétrico ( PLS 232/2016) tramitou por quase cinco anos no Senado. Uma das 35 prioridades do governo para este ano, a proposta abre caminho para a expansão do mercado livre de energia. Além disso, permite a portabilidade da conta de luz entre as distribuidoras, o que, segundo senadores e especialistas do setor, pode trazer vantagens para o consumidor como a redução na tarifa
Atualmente, somente grandes consumidores ou consumidores especiais — com carga igual ou superior a 500 quilowatts (kW) — podem migrar do chamado “mercado cativo” para o mercado livre e escolher de qual gerador contratarão a energia elétrica que consomem. Segundo a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), o mercado responde por 30% da energia consumida no país. O projeto permite que em um prazo de 42 meses após a sanção da lei todos os consumidores, independentemente do porte, tenham esse direito.
Uma palavra que começou a ficar conhecida no Brasil com a abertura do mercado de telefonia e já é uma realidade em outras áreas como no sistema bancário, a chamada portabilidade também passará a ser aplicada ao setor elétrico. Mas as características são distintas conforme destaca o consultor legislativo do Senado Rutelly Marques da Silva.
— Não haverá concorrência entre empresas de distribuição para transportar a energia elétrica até a casa do consumidor, porque o setor de distribuição é um monopólio natural. Mas haverá concorrência entre geradores e comercializadores para vender a energia elétrica que a distribuidora monopolista entregará na casa do consumidor. Portanto, o mercado será livre, em termos negociais, na comercialização de energia elétrica e permanecerá sendo regulado no segmento de transporte — disse o consultor à Agência Senado.
Segundo ele, a tendência é que a energia fique mais barata para o consumidor.
— O fato de o consumidor poder escolher o gerador ou comercializador junto ao qual comprará a sua energia elétrica tende a reduzir o preço da energia elétrica; não deve reduzir o preço do transporte. Ao final, o custo final (energia + transporte) tende a ser menor. Mas, é muito difícil estimar um valor porque hoje a energia elétrica no mercado livre é mais barata do que no mercado regulado em virtude de várias distorções, como a presença de subsídios — avaliou.
A opinião é compartilhada pelo relator do projeto, senador Marcos Rogério (DEM-RO), autor do substitutivo aprovado.
— Os consumidores vão decidir se privilegiam uma fonte de energia ou se privilegiam o preço. Poderão moldar o contrato e o perfil de consumo a suas necessidades. A concorrência entre os que vendem energia deve reduzir o preço para o consumidor, tornar o fornecimento mais eficiente e elevar a produtividade das empresas — afirmou Marcos Rogério durante a votação da proposta na Comissão de Infraestrutura.
Transparência
Para evitar que o consumidor seja enganado em relação aos preços, o projeto prevê que na fatura das distribuidoras seja informado, de forma separada, sobre o valor da energia elétrica fornecida e do valor do transporte de forma a garantir transparência. É como se o consumidor passasse a ter duas faturas: uma relacionada à energia elétrica gerada para atendê-lo, paga ao gerador, e outra referente ao serviço de transporte, paga à distribuidora. Hoje, na prática, o consumidor já paga essas duas faturas para a distribuidora.
— Essa é uma proteção ao consumidor. Se for mais barato, ele migra para o mercado livre; se o preço for maior, ele continua comprando a energia elétrica da distribuidora. Ademais, consumidores poderão contratar energia elétrica segundo as suas necessidades. Por exemplo, um consumidor pode aceitar pagar mais caro pela energia durante a noite se o gerador o comercializador aceitar um preço menor durante o dia, de forma que o seu gasto total seja reduzido. Então, o consumidor terá ciência se o preço que um gerador ou comercializador está lhe oferecendo é maior ou menor do que o preço da energia elétrica vendida pela distribuidora — apontou o consultor.
Mesmo nesse caso, o consumidor ainda será atendido pela distribuidora de energia elétrica que hoje fornece a energia elétrica por ele consumida. Isso porque a distribuidora é quem continuará entregando a energia elétrica. E Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) seguirá responsável por fixar o custo do transporte.
Empoderamento
Além do preço, Rutelly Marques considera que o direito de escolher a origem da energia é outro fator de “empoderamento” do consumidor, que poderá decidir continuar a comprar energia elétrica da distribuidora (mercado regulado) ou se, por exemplo, passa a comprar energia elétrica de usina de fonte alternativa (solar, eólica, biomassa ou pequenas centrais hidrelétricas).
— Considerar apenas o efeito no preço, embora seja algo essencial, não permite enxergar a extensão do PLS. A liberdade conferida aos consumidores permitirá que eles escolham a fonte de geração que desejam valorizar. Assim, consumidores que querem valorizar uma determinada fonte poderão escolhê-la ainda que pagando um preço maior; consumidores que desejam valorizar empresas que, por exemplo, tenham políticas sociais inclusivas, poderão fazê-lo. Ou seja, as empresas que desejam vender energia elétrica serão estimuladas a entenderem as necessidades e preferências dos consumidores e fornecer soluções alinhadas a tais necessidades e preferências. O consumidor passará a ter um papel muito mais importante do que tem hoje. Ele será, usando um termo da moda, “empoderado” — avaliou.
Subsídios
O novo marco regulatório do setor elétrico também prevê a redução de subsídios, estimados em R$ 22 bilhões em 2020. Apenas os descontos com as tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd) concedidos a fontes incentivadas (como solar, eólica, termelétricas a biomassa e pequenas centrais hidrelétricas) somam R$ 3,6 bilhões. Para o consultor legislativo, ao reduzir distorções, o projeto protege a população de menor poder aquisitivo.
— O setor elétrico tem várias distorções que prejudicam o seu funcionamento eficiente e que transferem renda de pessoas de menor poder aquisitivo para aquelas de maior poder aquisitivo. Essas distorções estão em vários subsídios, em vários arranjos que alocam em alguns a conta de custos que deveriam ser assumidos por todos. O PLS busca reduzir tais distorções, alocando custos e riscos de forma mais isonômica — argumentou.
Migração
Para evitar novas distorções, o projeto prevê o compartilhamento, entre distribuidoras, dos custos com a migração de consumidores para o mercado livre. Pelo modelo atual, as companhias são obrigadas a contratar toda a carga de energia elétrica para atender seus consumidores. Segundo Marcos Rogério, a migração em larga escala para o mercado livre pode fazer com que as distribuidoras tenham excesso de energia elétrica contratada ou fiquem com uma carteira de contratos mais caros. Ele sugere a criação de um tributo pago por todos os consumidores para “repartir de forma isonômica” os eventuais custos das distribuidoras com a migração
Marcos Rogério propõe ainda uma alteração na regra para a repartição da renda hidráulica, valor devolvido pelas hidrelétricas aos consumidores do mercado regulado. Ele adverte que, em algumas situações, os usuários não chegam a receber a diferença entre o preço de venda da energia elétrica e o custo amortizado das usinas. É o que ocorre, por exemplo, nas licitações.
— No caso de licitação de usina, 70% da energia elétrica é destinada ao mercado regulado, a uma tarifa previamente definida. Mas a renda hidráulica nesse caso é destinada aos cofres da União, na forma de bonificação de outorga, e o consumidor de energia elétrica acaba pagando por essa bonificação. É como se o vencedor da licitação tomasse empréstimo em um banco para pagar a outorga e a prestação fosse paga pelos consumidores — comparou o senador durante a votação da proposta na CI.
O projeto estabelece ainda que, na prorrogação de contratos das usinas, dois terços da renda hidráulica sejam destinados à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para redução da conta de luz para o consumidor. Apenas um terço iria para o Tesouro Nacional.
Tramitação
Apresentado em 2016 pelo então senador Cassio Cunha Lima, o projeto passou por aprimoramentos na Casa. O texto final é resultado de discussões e consultas públicas que o Ministério de Minas e Energia realizou entre 2016 e 2017 e de audiências públicas que a Comissão de Serviços de Infraestrutura promoveu durante o ano de 2019. O substitutivo do senador Marcos Rogério (DEM-RO) foi aprovado em março de 2020 pela CI e seguiria imediatamente para a Câmara dos Deputados. No entanto, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) apresentou recurso para discutir presencialmente, em Plenário, algumas alterações para aperfeiçoar a proposta antes do encaminhamento à Câmara dos Deputados.
No início deste ano, Jean Paul Prates apresentou requerimento para acelerar a tramitação do projeto em razão da continuidade da pandemia e da falta de previsão para o retorno dos trabalhos presenciais. Assim, a tramitação no Senado chegou ao fim no dia 10 e a proposta avançou para a análise dos deputados. Para Jean Paul, será possível aperfeiçoar o texto na Câmara.
— Chegamos a um ponto em que seguir com a tramitação tornou-se mais importante do que realizar melhorias no texto. Agora caberá a Câmara dos Deputados realizar os aprimoramentos no texto, dando continuidade ao processo legislativo — apontou o senador.