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O pastor desnecessário


Por: Luciano Rocha Guimarães
Data: 22/02/2024
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Nestes últimos anos, três grandes mudanças culturais atingiram em cheio o coração da vocação e do ministério pastoral. Estas mudanças se traduzem em três palavras que foram incorporadas na descrição da vocação pastoral e passou a defini-la: líder, terapeuta e empreendedor.

LÍDER. Fala-se cada vez mais em formação de líderes do que em formação pastoral. De forma curiosa líder não é uma palavra que aparece na Bíblia para descrever aquele que serve a Deus em sua igreja, e também não aparece na longa história de vinte séculos de vocação pastoral, nem foi usada para descrever nenhum dos santos ou mártires que dedicaram as suas vidas a Cristo. Tal expressão, líder, tem a tendência imediata de nos conduzir as imagens do executivo, do administrador, do empresário, do CEO, imagens de um profissional de mercado em um contexto secular. Não estou dizendo com isso que o ministério pastoral não seja um exercício de liderança, embora sua natureza e atividade seja diferente da natureza corporativa e empresarial. O que quero destacar é que esta nova imagem vem aos poucos corrompendo e solapando a vocação pastoral na medida em que nos preocupamos e ocupamos mais com as estruturas eclesiásticas, com o crescimento estatístico, com ferramentas tecnológicas, com organogramas ministeriais e de trabalho, bem como de sua funcionalidade. Estas são realidades que não podemos negar, mas não constituem o cerne e o fundamento da vocação, a saber: o estudo diligente das Escrituras Sagradas, a pregação da Bíblia nos púlpitos, a ministração dos Sacramentos, o aconselhamento, a visitação, a orientação espiritual, a oração pessoal e comunitária e o discipulado consistente. Devemos cuidar para que nossas igrejas reflitam mais a glória da imagem de Deus em Cristo do que as estruturas eficientes do mercado, pois as ovelhas de Jesus clamam por pastores com tempo e compaixão para ouvir o lamento de suas almas aflitas, cansadas, confusas em busca de orientação, maturidade e transformação.

TERAPEUTA. A outra mudança na vocação pastoral é a introdução da figura do terapeuta, que ganhou popularidade na segunda metade do século XX, a partir dos trabalhos de Freud. Uma prova disso são os cursos que os seminários oferecem sobre o aconselhamento pastoral. A maioria deles não exploram mais a rica esteira teológica dos pais da igreja, nem a longa direção espiritual como prática pastoral. Ao invés disso, os livros textos são, normalmente, de introdução e princípios básicos de psicologia. Mas não me interpretem mal. Os livros de psicologia podem fazer parte dos estudos pastorais, mas o que precisa ficar claro é que pastor e psicólogo são realidades completamente diferentes. Quando não há clara distinção entre as duas há um empobrecimento das duas. Geralmente as pessoas se sentem traídas quando entram no gabinete pastoral em busca de oração, orientação espiritual para a alma, ministração da Palavra de Deus ao coração atribulado, um encontro com Deus, e ouvem conselhos extraídos de uma linha de abordagem psicológica qualquer. Quando alguém procura um psicólogo, não está procurando um pastor. Semelhantemente, quando as pessoas procuram um pastor, não estão procurando um psicólogo.

EMPREENDEDOR. A terceira palavra incorporada modernamente na descrição da vocação pastoral é a de empreendedor. O que outrora era suficiente e aprazível para a condução do culto comunitário ao Senhor, como um auditório simples, bem iluminado, com bancos de madeira e de sonorização discreta, hoje não suprem mais as demandas de um público mais exigente. Com isso, há uma crescente necessidade de empreender. Luzes coloridas, câmeras giratórias para o culto online, canhões de luz, painéis de led, sonorização de última geração, climatização, performances digitais, vídeos motivacionais, cor preta nas paredes internas, templos suntuosos, estacionamentos gigantescos, tudo isso se tornou indicativo do pastor-empreendedor, atento, visionário, alerta as exigências sociais por conforto e tecnologia. Contudo, o que será daquela comunidade que se contenta com a simplicidade de seu culto, onde os elementos estruturais e litúrgicos servem apenas como coadjuvantes para exaltar a Cristo, promover seu evangelho e a comunhão dos santos? O que será do pastor que tem como centro do culto, Cristo, e não as exigências e modismos de uma sociedade egocêntrica, sensual e humanista, onde as emoções tomaram o lugar da conversão e o show tomou o lugar da exposição bíblica? O que será do pastor cujo grande empreendimento é gerar Cristo no coração de sua congregação, aperfeiçoá-los na fé para o desempenho de seu serviço e promover a edificação do corpo, cuja maior alegria é ver que seus filhos andam na verdade?  Precisamos buscar uma nova integridade vocacional, resistindo tanto ao modelo empresarial de herança mercadológica quanto ao terapeuta de herança psicológica, a fim de não nos tornarmos pastores desnecessários ao propósito fundamental de Deus na terra .

Luciano Rocha Guimarães


Anuncie com Jornal Noroeste
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