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A Sociedade do Cansaço


Por: Luciano Rocha Guimarães
Data: 28/04/2022
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O filósofo coreano Byung-Chul Han, professor de Filosofia e Estudos Culturais da Universidade de Berlim, escreveu um ensaio, “Sociedade do Cansaço”, bastante lúcido e pertinente. Segundo ele, a sociedade de hoje não é mais primordialmente uma sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Isto significa que a sociedade está se desvinculando das proibições e das restrições típicas da disciplina, e se organizando cada vez mais como sociedade da liberdade. Segundo ele, os hospitais, asilos, presídios, quartéis, escolas e fábricas, típicas da sociedade disciplinar, está dando lugar a academias de fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos-shoppings, mega shopping centers e laboratórios de genética. O sujeito da obediência deu lugar ao sujeito do desempenho. Suas máximas não são mais obediência, lei e cumprimento do dever, mas liberdade e prazer. Tampouco ele trata de seguir o chamado de um outro. Ao contrário, ele ouve a si mesmo. A única voz que o conduz é a voz de seu coração. Mas essa liberdade não só lhe proporciona emancipação e libertação, mas também novas coações. A principal delas é a ânsia e o esforço de produzir cada vez mais. Assim, o homem do desempenho jamais alcança um ponto de repouso e gratificação. Ele vive constantemente um sentimento de carência e de culpa, pois está sempre correndo consigo mesmo, procurando superar a si mesmo até sucumbir. Sofre um colapso psíquico que se chama burnout (esgotamento). Tais doenças da psique moderna, como depressão, déficit de atenção, síndrome de hiperatividade, ansiedade, remetem a um excesso de positividade, a incapacidade de dizer não, ao poder tudo. As consequências são uma destruição completa dos limites e barreiras, acarretando uma promiscuidade generalizada. Isto é o que ocorre quando há um desmonte de barreiras e proibições que perfazem a sociedade disciplinar. Nessa sociedade do desempenho, o sujeito do desempenho está cansado, esgotado de si mesmo, desgastado consigo mesmo, de lutar contra ele mesmo. Em sua busca desesperada pelo melhor desempenho, desgasta-se correndo numa roda de hamster que gira cada vez mais rápida ao redor de si mesma. Ele é o homem das mil opções e das duas mil ações, mas não é capaz de estabelecer relações e ligações intensas com o próximo. O seu ego pós-moderno emprega grande parte de sua energia para si mesmo. Os muitos seguidores que tem nas redes sociais seriam uma indicação de tal homem. O sujeito do desempenho concorre consigo mesmo e, sob uma condição destrutiva, se vê forçado a superar constantemente a si próprio. Essa autocoação, que se apresenta como liberdade, acaba sendo fatal para ele. Ele explora a si mesmo até consumir-se completamente. É assim que doenças psíquicas como o burnout e depressão, que são as enfermidades do século XXI, se proliferam de forma tão agressiva. Assim, ele explora a si mesmo, tornando-se o explorador e o explorado; o algoz e a vítima; o senhor e o escravo.

Por causa disso, o tempo de celebração e de repouso ascético desapareceu totalmente em prol do tempo de trabalho, que acabou se tornando totalitário. A própria escesse e solitude, bem como a celebração e o repouso, servem apenas para nos recuperar do trabalho, para poder continuar trabalhando. Assim, na sociedade do desempenho o que vale é o que o homem produz. E vale mais se produz mais. Fazemo-nos importantes na medida em que produzimos. A vida, entretanto, que subsiste a tudo isso, vai desaparecendo, pois é reduzida ao valor do cliente, ou ao valor do mercado.

Quem sabe é tempo de rompermos com essa casa mercantil. Quem sabe é hora de transformar essa casa mercantil do desempenho numa moradia, numa casa de festas, onde valha mesmo a pena viver!

Luciano Rocha Guimarães


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