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Eu quero é fome!


Por: Luciano Rocha Guimarães
Data: 17/10/2023
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O responsável por tudo foi uma vaga no estacionamento escrito, "idoso". Daí a constatação. Pensei que nunca chegariam, mas eles chegaram. E foi tão rápido! A bolha de sabão multicor é efêmera. Logo se desfaz. Transitoriedade. É este o sentido de “vaidade” no livro sagrado de Eclesiastes. “Tudo é vaidade e correr atrás do vento”.

A vida passa rápido. Tempus fugit. Confesso que senti saudades daqueles dias de verão intenso, onde o sol teimava em permanecer no cume do céu. Hoje, já iniciou o seu percurso de volta ao crepúsculo. O verão pode ter os seus encantos, mas o crepúsculo é muito mais bonito. É bonito porque é poético. Como dizia um personagem do Guimarães Rosa: “Toda saudade é uma espécie de velhice”.

Lembrei-me de um poema da Adélia Prado, O Tempo, quando ela diz: "O céu é bruma! Não quero faca nem queijo, quero a fome!". Achei saboroso o que ela pediu. Fome! De que adianta um armário cheinho de queijo se falta o apetite para saboreá-los? De que adianta o self-service variado se o estômago não deseja nenhum prato? De que adianta um gourmet sofisticado se não há fome degustá-lo? O importante não é ter em abundância e sim o desejo de ter. É isso que dá sentido a vida, que coloca a alma em funcionamento. Fome é o que eu quero. Muitos oram pedindo que não lhes falte comida. Eu oro pedindo que não me falte fome. Um desejo imenso de viver a vida como um dom ofertado por Deus. Quem deixa de ter fome, deixa de viver. Fica satisfeito. Acomodado. Inerte. “Bem-aventurado os que tem fome”, disse Jesus.

 Fome é o combustível da esperança. Estar satisfeito é perigoso. Um estômago cheio é um estômago inválido. Orgulhoso. Mesmo que lhe ofereçam novas iguarias, ele as desprezará. Perdeu aquilo que dá sabor a vida: a fome. Quando se tem fome tudo vira festa. Tudo tem valor. Fica gostoso. Não é a toa que o poeta dizia que o melhor prato a ser degustado é angu com fome.

Jesus denunciou uma igreja que se dizia satisfeita. Está nas Escrituras Sagradas no livro do Apocalipse (Ap 3:14-22). O satisfeito não precisa de coisa alguma. Sabe tudo. Tem tudo. Pode tudo. Não lhe resta mais atrativos, nem espaços vazios, nem sonhos. Mas, por trás de sua satisfação encobre sua real situação: infeliz, pobre, cego e nu.

Nada mais triste do que um corpo sem desejo. Sem sonhos. Sem horizontes a alcançar. Não! Não quero estar satisfeito!  Palavras do poeta T.S.Eliot: “Salva-me, ó Deus, da dor do amor não satisfeito, e da dor muito maior do amor satisfeito”.

O calendário me informa que vários anos da minha vida se foram. Não sei quantos anos ainda tenho, mas peço a Deus a graça de viver muitos anos. Mas, para isso, é preciso que minha fome seja cada vez maior. Não quero satisfação ou saciedade. Prefiro a inquietação que me faz voar. E olha que ainda me faltam alguns meses para utilizar a vaga.

Luciano Rocha Guimarães


Anuncie com Jornal Noroeste
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