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A Física, a arte e o Futebol


Por: Jacilene Cruz
Data: 22/09/2025
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Jacilene Cruz

 

Não sou das exatas, me encontro melhor na escrita torta das linhas retas. O quase dito da Literatura me preenche e permite ser, mesmo sabendo que não sou – E isso é mágico! É tentando ser o que não sou, que vou me meter hoje nas quatro linhas da Física. Entre as precisas, é a disciplina que mais me atrai, talvez porque seus movimentos variem um pouco.

Por falar em me meter no que não entendo, vou me embrenhar também pelo futebol. Vejo nas quatro linhas do gramado, a Física se fazendo real, clássica e perceptível. Tanto para o mais astuto professor, como meu amigo Faustino, quanto para o aluno que, bem como eu, só se envolve “fisicamente” porque é obrigatório.

O queixo caído pelo drible bem dado e pelo passe que faz com que a bola percorra o melhor caminho e encontre o outro jogador, levando em conta a velocidade e a distância a ser percorrida por ambos, até a redonda descansar no fundo da rede, mostra que, de física, todo mundo entende um pouco.

Os passes precisos que saem dos pés do mais memorável jogador da elite futebolística são tão encantadores quanto os feitos pelos joões-ninguém que jogam no campo torto das favelas e dos lugares mais inóspitos desse brasilzão “véio”, com muitas porteiras.

Apesar de tanta Física, futebol é arte muito contada e cantada. O já desfeito grupo musical Skank corrobora o que digo quando canta que A chuteira veste o pé descalço/O tapete da realeza é verde/Olhando para bola, eu vejo o Sol/Está rolando agora é uma partida de futebol[1].

Drummond não deixou barato, trouxe o tema para sua memorável arte poética e nos disse que Futebol se joga no estádio?/Futebol se joga na praia,/futebol se joga na rua,/futebol se joga na alma./A bola é a mesma: forma sacra/para craques e pernas de pau[2].

É incontestável que o que rola naquele preciso retângulo nos faz bem. Embora esse bem, às vezes, traga a amarga certeza do cruel abismo que nos forma enquanto nação.

Zeca Baleiro, de quem sou fã incontestável, canta isso perfeitamente: Todo mundo fala que deu zebra/Quando o time fraco vence o time forte/Todo mundo fala que deu zebra/Que deu sorte[3].

A questão da “excelência” do grande, cantada pelo Zeca, fica bem clara nas transmissões de futebol país a fora. Locutores e comentaristas esportivos fazem questão de estabelecer que quem nasceu para ser escada, jamais será pé! Vejam por onde minha memória andou esses dias:

Era a final da Copa do Brasil de 2008. Sport Recife versus Corinthians em Pernambuco. Assim dizia o narrador: -O timão tem que ficar atento, o inimigo está chegando! O inimigo ataca pela direita!

Mas o inverso não correspondia. Só eram inimigos os atletas do Leão da Ilha. Curioso caso, não? Daí por diante, meus ouvidos ficaram aguçados e assistir a uma partida de futebol se tornou um exercício de análise do discurso.

Verifiquei a mesma prosa criminosa em 2010, Vitória versus Santos, e em 2012, Palmeiras versus Coritiba[4]. Era como se estivesse numa final de Copa do Mundo. O Brasil, representado pelos times do Sudeste, do outro lado, a seleção inimiga, aquela que quer vencer e chegar a um lugar que não é seu.

Essa atitude separatista não para por aí. Em um domingo desses, dia preguiçoso onde a boresta me preenchia, eu assistia a uma partida do campeonato brasileiro. No intervalo, ao mostrar os gols dos demais duelos, o locutor me sai com essa pérola:

-Caros telespectadores, vários jogos nessa tarde. Em Minas, Atlético e Grêmio – grande clássico do futebol brasileiro. Em Salvador, Bahia e Sport – grande clássico do Nordeste.

Acho que mais claro, impossível. Dois times do sul/sudeste duelando é um clássico brasileiro, dois times nordestinos, no mesmo campeonato, na mesma rodada, no mesmo horário, desejando igualmente os três pontos é um à parte. Prova da velha prática opressora, separatista e excludente que fomenta o ódio e a violência entre iguais. Lamentável e criminoso.

A Física explica muita coisa no futebol, mas ações desse tipo traem a cadência e a beleza dos seus movimentos. E eu, que não sou das exatas, sei exatamente os caminhos que nos impelem a caminhar



Jacilene Cruz


Anuncie com Jornal Noroeste
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