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Por quê uma educação religiosa?


Por: Fernando Razente
Data: 08/08/2023
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“Não podemos simplesmente comer, dormir, caçar e nos reproduzir — somos criaturas que buscam significado.”

Jeanette Winterson, escritora britânica pós-modernista.

 

“Nós humanos somos uma forma única de vida neste planeta. Somos a única espécie que pergunta por quê.”

 Os Guinness, doutor em Ciências Sociais pelo Oriel College, Oxford.

No meu primeiro dia como professor, ao entrar em sala de aula e apresentar a mim mesmo e a minha metodologia, esperava que a primeira pergunta fosse relacionada com algum tema da História. No entanto, para minha surpresa, a primeira pergunta que recebi de um aluno foi: “Professor, qual é o sentido da vida?”. Alguns poderiam encarar essa pergunta como uma brincadeira infantil e simplesmente ignorar, respondendo: “Concentre-se no conteúdo, meu jovem.” Mas, descortinar as intenções não está sob minha alçada. Quem sabe se eu fosse um psicanalítico.

Por isso, levei bem a sério a pergunta do meu aluno, mais até do que a resposta que eu poderia conceder. “Por que a vida precisa ter sentido para você?”, perguntei. Claro, não que eu não saiba do sentido da vida (tenho isso bem claro em minha vida), mas queria maieuticamente provocar meu aluno e entender externamente o quanto aquilo importava para ele antes de responder. E importava muito. Aliás, essa pergunta nos leva à moldura de ouro do quadro de nossa existência. E a falta dela, (tanto quanto da resposta) por outro lado, gera sérios problemas éticos na educação.

Creio que chegamos a um ponto em que a maioria de nós, docentes cristãos e não cristãos, conseguimos perceber claramente que sem alcançar um sentido e significado para aquilo que fazemos como professores e alunos, não é possível obter uma educação de qualidade. Sem tocar nas questões mais profundas que envolvem o nosso significado existencial, a educação não consegue alcançar seus objetivos mais elevados.

No entanto, a nossa educação básica ainda está muito atrasada quanto a isso. Alunos sofrendo crises existenciais e falta de propósito de vida. Por quê? Penso que a secularização educacional é a grande responsável por essa falta de sentido e propósito envolta de nossos alunos. Em seu célebre livro The Mission of God: A Manifesto of Hope for Society (2016), o Dr. Joe Boot, descreve o secularismo “[...] entendido popularmente, [como] a visão que os valores e padrões da sociedade não devem ser influenciados ou controlados pela religião.” Em outras palavras, educação secularista é a busca por uma instrução em nível pedagógico de várias disciplinas que visa retirar proposições religiosas do processo de conhecimento com o pretexto de ensinar apenas ciências.

O problema dessa visão é que as proposições religiosas, geralmente, são as únicas responsáveis por responder as perguntas sobre sentido existencial que as ciências não são capazes (nem competem a elas) de fornecer. No máximo a Filosofia pode especular racionalmente sobre elas. O resultado inevitável desse tipo de teoria educacional antireligiosa é uma instrução meramente técnica, positivista, mecanicista e impessoal que não alcança o coração e aquilo que dá sentido ao aluno, seja para estudar ou fazer qualquer outra coisa. E por qual razão isso ocorre? Por quê há essa aversão à religião em muitas instituições?

Há várias razões, mas a principal talvez seja porque a educação/pedagogia secularista está baseada na concepção da natureza irreligiosa dos seres humanos. Logo, uma antropologia deficiente gera uma pedagogia insuficiente. Veja, não há problema algum em ensinar um macaco a usar habilidades motoras para colocar um cubo em um encaixe sem mencionar as implicações éticas disso, mas os jovens não são animais. Jovens alunos são indivíduos com personalidade, seres humanos com capacidades cognitivas e racionais; e mais, seres com sede de sentido, propósito e significado. Eles são, essencialmente, homo religiosus que precisam não apenas aprender fazer coisas, mas saber o porquê fazem o que estão fazendo e qual a finalidade disso para a vida ao invés do nada.

Uma educação que não toca nesses pontos de moral, sentido e significado de maneira direta e objetiva e não compreende o ser humano como um ser composto de um desiderium aeternitatis [anseio inato pelo eterno] é uma educação, no mínimo, manca e castradora; trata-se de uma educação incapaz de educar integralmente porque vê o indivíduo parcialmente, tirando do aluno sua mais importante reflexão. Para uma educação de qualidade, é preciso que se considere o homem em sua integralidade existencial — que eduque para além de suas capacidades intelectuais, considerando também a influência do transcendente.

Ilustração para a Divina Comédia, de Dante Alighieri: Paraíso, canto XXXI (Por Gustave Doré, ilustrador francês de livros do séc XIX)

Para tanto, não há escapatória. Precisamos de uma educação religiosa, e por isso quero dizer não redutivamente uma educação cristã, judaica ou budista; mas de uma cultura curricular da existência do aspecto religioso no gênero humano e sua centralidade na vida e na história das civilizações, uma educação que capte os ‘sinais de transcendência’ (conforme declarou o sociólogo Peter L. Berger, em “Rumor de anjos: A sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural”) na cultura humana ao longo dos séculos; posteriormente, uma educação que também incentive os alunos na busca pessoal por respostas nessa área.

No meu ofício de professor da disciplina de Cultura Religiosa, insisto em dizer aos meus alunos, parafraseando o filósofo cristão e professor de Direito Herman Dooyeweerd (1894-1977), que o conceito ‘religião’ não se trata meramente de ritos litúrgicos ou símbolos imagéticos de uma determinada e específica tradição religiosa; é, antes de tudo, um impulso essencialmente humano e por isso universal, um impulso inato em busca de sentido e significado para além do mundo natural.

Esse impulso humano pode ser rastreado nas fascinantes histórias poéticas da mitologia antiga dos gregos, nórdicos e romanos, nas celebrações e ritos das sociedades pré-colombianas, no aliancismo revelacional de Israel, na devoção à Jesus Cristo no cristianismo, como também nas mais diversas religiões presentes até os dias de hoje. Entender a existência desse impulso como algo inato e sua sugestão para uma visão completa da real estrutura da nossa realidade é o primeiro passo para encontrar o sentido da vida e alcançar uma educação com propósitos elevados.

No século XX, nas dependências de Oxford, C. S. Lewis deu esse primeiro passo de reconhecimento da experiência com o transcendente, influenciado por uma conversa amigável sobre mitos antigos com o Prof. J. R. R.Tolkien (Oxford). Lewis (Oxford e Cambridge), após a conversa, entendeu que o cientificismo não poderia responder às suas indagações mais profundas e posteriormente deixou o seu materialismo/ateísmo para encontrar o sentido da vida na devoção a Jesus Cristo como Senhor e Salvador e alcançar um propósito elevado para sua carreira intelectual, tornando-se num dos melhores professores de Literatura Inglesa e Renascentista na Inglaterra e principal apologista da fé cristã no século XX.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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