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A cosmovisão de Goethe


Por: Fernando Razente
Data: 17/10/2023
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“A cosmovisão de Goethe é a mais multifacetada que se possa imaginar.” – Rudolf Steiner (1861-1925)

 

Como demonstrei no artigo anterior, o termo cosmovisão dentro do campo da filosofia aparece pela primeira vez na obra Crítica da Faculdade de Julgar (1790), do filósofo Immanuel Kant (1724-1804). No entanto, ele abordou esse conceito, como declara o apologista James W. Sire, “(...) só de passagem” e sem muita profundidade. O termo cosmovisão foi adotado pelos sucessores de Kant, sendo bem acolhido como um importante conceito na vida intelectual europeia, especialmente alemã. Hoje, pretendo analisar esse conceito aplicado às obras e vida de Goethe.

Embora seja difícil identificar Goethe utilizando o termo cosmovisão (weltanschauung) em suas obras, não significa que o mesmo não tinha plena compreensão do conteúdo de uma e do próprio conceito, e nem que não tivesse tentado elaborar a sua própria ao longo de sua carreira intelectual. Polímata por excelência, Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) é o autor de obras clássicas do pensamento ocidental como o poema trágico Fausto (I - 1806 e II - 1832) o romance Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774), bem como o escrito científico pioneiro sobre a Teoria das Cores (1810).

Escritor prolífico e com interesses diversos e multifacetados, Goethe possuía uma forma ou método diferente de como funcionava o pensar. Provavelmente, uma das melhores obras que procura captar essa forma de pensar e entender o funcionamento da mente de Goethe é O Método Cognitivo de Goethe: linhas básicas para uma gnosiologia da cosmovisão goethiana (publicada no Brasil em 2004), do filósofo e educador Rudolf Steiner (1861-1925).

Por falta de material e tempo, este artigo se limita à interpretação da visão de cosmovisão de Steiner sobre a visão de mundo de Goethe. Ou seja, Steiner mostra a sua própria ideia de cosmovisão (perfeitamente questionável), e, em seguida, aplica à visão geral de mundo do maior poeta alemão. Nossa análise não seria adequada caso, por um lapso, não nos lembrássemos disso: que o que entendemos aqui por uma cosmovisão de Goethe, poderia não ser exatamente a cosmovisão de Goethe, posto que se trata da aplicação da ideia de cosmovisão de Steiner à Goethe.  Portanto, o texto não se trata de uma análise de fonte primária e está sujeito a correções (especializadas).

Dito isso, na obra de Steiner, vemos que a cosmovisão de Goethe veio redimir – no âmbito da ciência natural e experimental – o interesse por questões filosóficas ou pelas “questões últimas” como eram chamadas as investigações sobre a estrutura mais básica da realidade (tais questionamentos constituem uma cosmovisão, segundo J. W. Sire). Enquanto muitos cientistas do século XIX pensavam mais na aplicação prática e na utilidade de certos conhecimentos, Goethe diferenciava-se se perguntando sobre os fundamentos da realidade e do próprio pensamento.

Goethe, segundo Steiner, defendia uma possibilidade de objetividade do pensar, isto é, uma relação direta e sem mediações entre o sujeito conhecedor e o objeto (uma das marcas de seu panteísmo). Como consequência, em Goethe não existe limite para o conhecimento humano, já que a capacidade pensante não é uma produtora de pensamentos mediada, mas uma “captadora” intelectual dos pensamentos cósmicos [frutos de entidades espirituais] já existentes e espalhadas na realidade do mundo e do Universo. É importante ressaltar que Goethe não chegou a declarar se, para ele, essas entidades seriam pessoais ou não.

Portanto, a gnosiologia de Goethe se apresenta em sua cosmovisão, definida por sua convicção fundamental em uma estrutura de mundo espiritual onde a relação sujeito (o eu humano) e o objeto (as várias dimensões ou aspectos da realidade) são integradas por meio de um exercício de correspondência perfeita. Enquanto Kant pensava na visão de mundo como resultante das nossas percepções sensíveis da realidade mediadas por espaço e tempo produzindo um conhecimento fenomenológico e não um conhecimento das “coisa em si”, Goethe acreditava ser possível penetrar na essência das coisas. Por isso, escreverá Steiner em Goethes Weltanschauung (1897), que no “(...) espírito da visão de mundo de Goethe, [está o] querer saber tanto sobre as ‘coisas em si’ quanto for permitido pela essência do mundo das ideias tal como capturado na natureza.”

Logo, para Goethe, no seu método o sujeito tem tanto a capacidade de compreender a realidade essencial pelos sentidos naturais, bem como por meio da recepção suprassensível, pois é um ser também espiritual, tal qual a realidade para ele (dado seu panteísmo). Basta que o homem seja um ser consciente e disposto a tal empreendimento. Daí, a cosmovisão de Goethe admitir que a estrutura da realidade é composta de matérias e ideias de origem espiritual.

Finalmente, podemos resumir dizendo que a gnosiologia (teoria geral do conhecimento humano, sua natureza, limites e formas) de Goethe é fundamentada na sua cosmovisão que consistia em pressupostos sobre a natureza espiritual e fundida (material/ideal) da realidade e da capacidade humana em compreendê-la integralmente.

O interessante em Goethe (apesar de seu politeísmo panteísta) é notar que, por trás de toda a sua atividade e curiosidade intelectual que tanto marcou sua vida, estava o compromisso básico de seu coração com uma visão que possibilitava a infinidade do conhecimento humano e a penetração na essencialidade do mundo. A vida prática de impressionante curiosidade ilimitada, fervorosa e multifacetada de Goethe, bem como o conteúdo de suas pesquisas e obras (indo da poética à geologia), correspondia à sua compreensão mais básica do mundo. Isso é uma cosmovisão; e assim [estruturalmente] funciona conosco: nossa atividade prática é um reflexo da nossa cosmovisão.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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