Como ganhar uma eleição: de Quintus Tullius Cicero
Em um ano de eleições municipais, onde a corrida para escolher prefeitos e vereadores se intensifica, a leitura da obra "Como ganhar uma eleição", de Quintus Túllius Cícero, se revela intrigantemente atual. Escrito há mais de dois mil anos, este manual eleitoral, embora de caráter cínico e pragmático, oferece lições que permanecem relevantes no cenário político contemporâneo. No entanto, é importante abordar essa obra com um olhar crítico, especialmente no que diz respeito às estratégias antiéticas e manipulativas sugeridas por Cícero.
Estou finalizando a leitura desta esta obra clássica em que Quintus Cícero, general e poeta romano, escreveu este conjunto de conselhos práticos para seu irmão Marco Túlio Cícero, que na época era candidato ao posto de cônsul, o mais alto cargo político da Roma Antiga. O manual destaca-se por seu realismo e pela sabedoria política atemporal, refletindo práticas e atitudes que, infelizmente, ainda são comuns nos processos eleitorais de hoje.
Entre os conselhos de Quintus, destacam-se orientações como "prometa tudo a todos", "diga aos conservadores que você apoia valores tradicionais" e "diga aos progressistas que você sempre esteve ao lado deles". Tais recomendações revelam uma abordagem extremamente pragmática e manipuladora, que visa conquistar eleitores de diferentes espectros políticos, muitas vezes à custa da verdade e da integridade.
O conselho de "dar esperança às pessoas" toca em um ponto fundamental da política: a necessidade de inspirar e motivar os eleitores. No entanto, quando essa esperança é baseada em promessas vazias e inatingíveis, transforma-se em uma ferramenta de manipulação, que inevitavelmente leva à desilusão pós-eleitoral. Este tipo de prática não só compromete a confiança pública nos políticos, mas também corrói os alicerces da democracia.
Outro ponto discutido por Cícero é a importância de conhecer as fraquezas dos oponentes e utilizar essa informação para ganhar vantagem. Embora a compreensão dos pontos fracos dos adversários seja uma estratégia comum em campanhas eleitorais, a exploração de tais fraquezas deve ser conduzida com ética. Atacar o caráter pessoal ou disseminar desinformação são táticas prejudiciais que desviam o foco dos debates sobre políticas e propostas substanciais.
Além disso, a prática de "puxar o saco dos eleitores abertamente" e "cobrar todos os favores" destacada por Cícero expõe a face mais nefasta das campanhas eleitorais: a corrupção e a troca de favores. Tais estratégias não só minam a integridade do processo eleitoral, mas também perpetuam um sistema onde o poder e a influência são comprados e vendidos, em vez de serem conquistados por mérito e compromisso com o bem comum.
Apesar de sua autenticidade ser questionada e da ausência de filtros modernos para evitar o "politicamente correto", a obra de Quintus Cícero permanece um alerta sobre os perigos das práticas antiéticas na política. Em um período eleitoral, é essencial que candidatos e eleitores reflitam sobre os ensinamentos dessa obra e se comprometam com uma campanha baseada na transparência, na honestidade e no respeito à vontade popular.
O livro “Como ganhar uma eleição" é um testemunho da permanência de certas práticas políticas ao longo dos séculos. No entanto, ao rejeitar as estratégias maléficas propostas por Quintus Cícero, podemos trabalhar para construir um cenário político mais justo e íntegro, onde a confiança e a participação cidadã sejam verdadeiramente valorizadas. A história nos ensina, mas cabe a nós escolhermos os caminhos éticos para moldar o futuro de nossas cidades.
· Alex Fernandes França é Administrador de Empresas, Teólogo, Historiador e Mestrando em Ensino pelo PPIFOR – UNESPAR