“VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?” e a Sociabilidade com o outro
Dou início a esta nova exposição de ideias, destacando um fato lamentável e que foi à público: Um entregador de delivery foi humilhado, xingado, desrespeitado, menosprezado e outras desqualificações para ilustrar a atitude do cliente. Aparentemente, o cliente agrediu o entregador sem um motivo aparente e mesmo que houvesse, não justifica tamanha falta de reconhecimento e respeito à dignidade humana do outro, neste caso o do entregador. Eu tenho uma hipótese que gostaria de expor para a nossa reflexão: Será possível que prevaleceu nesta situação por parte do agressor a famosa postura de nossa cultura do “sabe com quem você está falando?” Ora! Quando alguém se coloca em tal atitude perante outro, acredita-se possuidor de um poder que o coloca além do dever ético de respeitar o direito do outro. O “sabe com quem está falando?”, gera uma cegueira moral que gera uma ação agressiva impulsionada por um sentimento de superioridade muitas vezes embasados em ilusões e fantasias de grandeza, além de uma sensação inexistente de autoridade sobre aquele que considera como menor. E caso até possua algum tipo de autoridade, mais grave ainda se abusa desta, pois deveria ser o primeiro a dar o exemplo. Exposta minha hipótese mais uma vez trago para a minha exposição, a descrição sobre a experiência que estamos passando: a pandemia da Covid-19 que, indubitavelmente, fomenta e fomentará questões várias para o hoje e principalmente com referência ao que poderá ser o nosso amanhã. Aparentemente, a pandemia despertou um pouco nossa consciência, para à condição de seres sociais e interdependentes. Nessa retomada de consciência da sociabilidade, a partir da mudança que trouxe a pandemia, descobrimos que o rapaz que entrega o fastfood tem um rosto e, de algum modo, faz parte do nosso convívio social. Assim como o entregador do hortifruti. Nos demos conta também de que os que trabalham na área de limpeza urbana e também hospitalar são pessoas como nós e estão no contexto do nosso convívio social. Todos estes aqui citados, antes, eram invisíveis, ganharam uma visibilidade intensa e inesperada em nosso dia-a-dia desde o momento mais rígido da quarentena até esta situação de flexibilização das medidas de contenção à pandemia. Todos são passíveis de respeito. De total reconhecimento em seus direitos. São dignos de tratamento ético e social, enquanto na situação tanto de cidadãos quanto de seres humanos. A partir deste quadro, e vislumbrando o acontecimento condenável do ataque ao entregador, convido à refletirmos que talvez a pandemia, que provocou o isolamento social em diferentes e diversas áreas do planeta, dentre tantas coisas, venha demonstrar que em um certo sentido já experimentamos um isolamento social em nós mesmos, pois quem se utiliza do “você sabe com quem está falando?” Encontra-se fechado em sua indiferença e apatia. Aprisionado por medos e frustações. Tiranizado por interesses particulares e egoísmo. E se não reconhecemos no rosto do outro, alguém merecedor de dignidade como um ser social, político e ético, independentemente de status ou função social, então está na hora de jogarmos no lixo o “você sabe com quem está falando?”, aproveitando a oportunidade que temos, para construir uma sociabilidade mais moralmente saudável e politicamente positiva.
Rogério Luís da Rocha Seixas
Rogério Luís da Rocha Seixas é Biólogo e Filósofo Docente em Filosofia, Direitos Humanos e Racismo Pesquisador do Grupo Bildung/IFPR e-mail: rogeriosrjb@gmail.com