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Travessias


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 04/07/2024
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“Latim em pó”, de Caetano W. Galindo

  

         Eu tive a sorte de, no meu ensino médio, ser aluno de um mestre da “fina flor do Lácio”, professor Sebastião Soares de Castro. Por causa dele e de suas aulas extraordinárias pude ver a Língua Portuguesa como mais do que uma disciplina escolar, mas como a minha língua materna que todo dia me ajuda a ser quem eu sou.

         Como passar dos anos, pelo fato de que escrevo desde os doze, pude me aproximar cada vez mais da língua portuguesa, de modo que entre as aulas na escola e o trato cotidiano com a escrita, cada dia mais gosto do meu/nosso idioma, pois ele é tão grande quanto a própria história da humanidade. Nesse sentido, “Latim em pó: um passeio pela formação do nosso português”, de Caetano W. Galindo, dá ainda mais sentido àquilo que para mim é essencial: o meu/nosso idioma.

         “Latim em pó” é uma expressão que o autor resgata de uma música de Caetano Veloso, “Língua”: “Flor do Lácio Sambódromo/ Lusamérica, latim em pó / O que quer, o que pode esta língua?”. Explico: o ouro em estado bruto (na forma de uma pepita, por exemplo) seria o latim, já o ouro trabalhado (“em pó”) seria o português. Se o latim se desenvolveu/consolidou na região do Lácio, na Itália, com o tempo a sua influência política e cultural se estendeu para diversos lugares, como a Península Ibérica (composta em sua maior parte por Portugal e Espanha). O catalão e o castelhano também seriam “latim em pó”. Mas, o que é interessante, e isso é dito pelo escritor, é que quando da origem do português, este, para todos os efeitos, era latim, só que adaptado à realidade portuguesa. É o caso do português brasileiro, que é diferente daquele falado em Portugal, porque recebeu diversas influências dos povos originários e dos povos africanos.

         Caetano W. Galindo, que é professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e linguista de formação, expõe a sua erudição com leveza em toda a obra. Para investigar o português é certo que ele vai ao latim, mas, também vai para o grego, para o sânscrito, para idiomas neolatinos e também para idiomas dos povos originários brasileiros (como o nheengatu e o tupi) e os dos povos africanos (como o iorubá e o quimbundo). E, como não poderia faltar, o seu conhecimento literário vem acompanhado do histórico, a ponto de trazer em detalhes as histórias de Roma, de Portugal, de certas regiões da África e do Brasil (de norte a sul).

         Ao longo do texto, diversas curiosidades sobre a nossa língua são expostas, como as origens de nomes próprios e palavras tão comuns em nosso dia, a saber, “Mauritânia”, “Mauro”, “Maurício”, “mouros” e “moreno”: “Os romanos chamavam de “mauri” (singular “maurus”) os habitantes berberes do norte da África, o que deu origem ao nome da Mauritânia atual e aos nomes próprios Mauro, Maura e Maurício. Foi como “mouros”, ou “moros”, formas derivadas daquela primeira, que esses povos foram inicialmente conhecidos na Ibéria. Com o tempo, a palavra passou a se referir a toda a cultura islâmica da região (árabe-berbere, portanto), e no uso comum dos dias de hoje ela às vezes se refere apenas aos árabes. Outra derivação, também baseada num choque de alteridades, foi a que fez com que se chamasse alguém de “mouro” por causa da cor da pele. Ainda hoje se pode usar o adjetivo “mourisco” com o sentido de “escuro” em português. E é daí que tiramos a nossa brasileiríssima palavra (e, de novo graças a Caetano Veloso, que batizou assim seu primeiro filho, também o nome próprio) “moreno”, que veio do latim para se referir aos berberes, passou pelo árabe e pela Ibéria e descreve como poucas a nossa terra: palavra que é ela mesma uma história de convívio, preconceito, exclusão e sobrevivência.” (GALINDO, 2022, p. 109-110).

         Além da qualidade teórica, “Latim em pó” é uma obra escrita com maestria, em que Galindo dá aula de escrita. As palavras são escolhidas com esmero, a lógica do texto é harmônica e o enredo é tão atraente quanto um excelente romance (a propósito, o escritor também possui carreira literária). Uma vez iniciada a obra, é impossível parar de ler, e, uma vez concluída, a vontade é de reler.

 

Caetano W. Galindo. Latim em pó: um passeio pela formação do nosso português. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

 

 

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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