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Sétima Arte


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 03/04/2020
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O período de reclusão social continua e com ele os cinemas fechados, bem por isso, cada vez mais os serviços de streaming atualizam seus catálogos com obras variadas, atendendo a todos os gostos. Diante disso, essa semana quero comentar sobre um filme de 2013, mas que ficou disponível há poucos dias na Netflix e que vale a pena ser visto com um olhar mais atento. Sobre Vidas ao Vento, você fica por dentro de tudo o que vale a pena saber, aqui, na Coluna Sétima Arte.

Há mais de um mês a Netflix incluiu em seu catálogo uma primeira leva de animações do Studio Ghibli, o mais famoso e icônico estúdio de animação japonesa existente. Fundado em 1985, pelo mestre da animação Hayao Miyazaki e alguns companheiros, esse estúdio passou a produzir desde então os melhores longa metragens de animação em estilo japonês (anime) do mundo. Com muitos filmes ganhando enorme destaque. Dentre eles gostaria de citar Túmulo dos Vagalumes (Hotaru no Haka), de 1988, que é considerado pela crítica em geral (e pelo pobre mortal que vos escreve) como um dos melhores filmes de guerra já realizados em todos os tempos. Outra referência de sucesso desse estúdio é o infantil Meu Amigo Totoro (Tonari no Totoro), também de 1988 e que fez tanto sucesso que passou a compor o logotipo do próprio estúdio, que desde então ostenta o simpático Totoro. Também o clássico e inspirador Princesa Monoke (Monoke-hime) de 1997. Mas eu acredito que você provavelmente conhece o Studio Ghibli por causa de seu mais famoso filme e ganhador do Oscar de Melhor animação de 2003, o onírico A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kamikakushi) e que foi a consagração mundial tanto do Studio Ghibli, quanto do mestre Hayao Miyazaki.

Dos filmes citados acima todos estão na Netflix, menos o melhor e mais triste de todos, Túmulo dos Vagalumes, pois ele infelizmente não entrou no acordo de distribuição da rede de streaming. Em compensação, essa semana ficou disponível outra grande obra do Studio Ghibli, o drama Vidas ao Vento (Kaze Tachinu). Uma animação bem diferente das anteriores e muito mais próxima do tom utilizado em Túmulo dos Vagalumes, ou seja, um drama destinado a adultos e não para crianças. 

Vendido ao mundo como o último filme de Hayao Miyazaki (existe um boato poderoso correndo entre os fãs de animação japonesa que afirma que Miyazaki irá surpreender o mundo com um novo filme nesse ano de 2020, eu como fiel fã de sua obra espero que isso seja verdade, mas no momento é só um boato) ele chamou atenção do público e dos críticos ao redor do mundo em 2013 e ganhou uma indicação ao Oscar de Melhor Animação em 2014.

O filme, diferente de muitas obras do estúdio, não é uma fantasia e não traz de forma tão presente um mundo imaginário. Pelo contrário ele tende a inserir o expectador no mundo real em que vive o protagonista. Isso não quer dizer que a fantasia não esteja presente, ela se manifesta nos cotidianos sonhos do protagonista que lhe permitem realizar o impossível, como andar nas asas de um avião ou dialogar com uma figura histórica ilustre, o pioneiro da aviação italiana Giovanni Caproni.

Salvo esses momentos de sonhos, o que se apresenta é a biografia de um célebre japonês, que viu seu maior sonho ser deturpado pela arte da guerra. O filme conta a história de Jiro Horikoshi, o engenheiro de aviões que tornou possível ao Japão entrar para a trágica 2ª Guerra Mundial com o avião mais moderno e potente da época. A biografia segue uma narrativa linear e apresenta a infância, adolescência e vida adulta de Jiro de forma sintética e muito fluída, por isso, fique atento, pois os saltos temporais acontecem de forma muito sútil e se você não prestar atenção acabará perdendo a beleza do desenvolvimento de Jiro como pessoa.

Antes de qualquer coisa o filme é um deleite para os apaixonados por aviação, pois conforme Jiro vai aprendendo mais sobre a arte da construção de aviões o próprio expectador também aprende muito sobre isso, devido ao didatismo do filme. Por outro lado, o filme é um poderoso drama embalado por um trágico romance. Bem por isso, as cenas mais sublimes do filme ficam por conta dessa relação entre Jiro e Nahoko, tanto que o tempo em que passam juntos no hotel nas montanhas é realmente emocionante. 

Por outro lado, Vidas ao Vento é uma crítica profunda sobre a Guerra como destruidora de ideais. Ao contextualizar o público no Japão da primeira metade do século passado, entre os anos de 1920 e 1940, permite ao expectador entender as motivações que levam Jiro a querer tirar seu país do atraso científico, social e até mesmo da própria pobreza. Para isso, dedica-se integralmente em fazer o que pode com o que mais gosta, construir aviões. Tanto que em determinado momento ingenuamente ele afirma: “eu nunca quis fazer aviões para a guerra, apenas belos aviões”. 

A partir disso, o vento se torna a metáfora maior. Quando o vento se eleva as vidas são transformadas, seja a vida de Nahoko que encontra o amor, seja a vida de Jiro que vê o vento elevar as asas de seu avião perfeito, seja a vida do Japão que em breve sofrerá as mazelas da Guerra. A questão da Guerra se torna evidente pela presença constante das forças do eixo no contexto apresentado. Ao sonhar com Caproni, Jiro vê as asas dos aviões ostentarem a bandeira da Itália, para estudar a dinâmica dos aviões ele viaja para a Alemanha pré-nazista e testemunha o ódio e a xenofobia, ao voltar ao Japão percebe o desespero de um país que ainda carrega aviões em carros de boi e que precisa se impor como uma nação moderna. O eixo que dará início a um dos mais sangrentos episódios da história humana está formado: Alemanha, Itália e Japão.

Por que ver esse filme? Porque é uma história incrível, que não mostra a guerra propriamente, mas que nos faz pensar nela e nos faz buscar e valorizar a humanidade, sem deixar que os nossos sonhos sejam deturpados ou roubados por empresas, governos ou elites. Você não vai encontrar esse título e outros do Studio Ghibli abertamente na tela de início da Netflix na sua casa, terá que ir no mecanismo de busca e procurá-lo, mas tenha certeza, vale a pena. Como bom fã desse estúdio, eu indico: se tiver tempo, veja também os outros títulos desse mesmo estúdio, você não vai se arrepender. Fique em casa!

 

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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