A generic square placeholder image with rounded corners in a figure.


Professora de palavras-cruzadas


Por: Jacilene Cruz
Data: 13/05/2024
  • Compartilhar:

Na maioria das vezes, são fatos da infância que despertam em mim lembranças, e estas, por sua vez, ilustram minhas escritas. Porém a de hoje será diferente. Em um passado, pouquíssimo remoto, eu tive um sonho...

E, parafraseando Roberto e Erasmo, ouso dizer:

 ? Tive um sonho, mas não foi o mais bonito que eu sonhei em minha vida[1].

Na verdade, nunca escrevi sobre esses pensamentos que tomam conta de nós enquanto dormimos, mas sempre tem uma primeira vez.

A ideia de escrever sobre o sonhado veio depois que li o livro Diário de um Docente: 2019-2021, do professor Felipe Figueira. Nele, o autor, que é um escritor compulsivo, relata, entre outras coisas, seu hábito de escrever, não só sobre os sonhos que teve, mas também os da esposa:

? 21 de junho. Escrevi quatro contos, sendo dois deles, "O quarto aquático" e "O chinelo", baseados em sonhos da minha esposa. (FIGUEIRA, 2023, p. 25).

Diferente dele, não tenho tanta facilidade em escrever sobre devaneios em estado de suspensão perceptiva e motora. (DICIO, 2024, s/p), mas vou tentar, espero que não decepcione vocês, leitores que persistem em acompanhar minha escrita.

Freud diz que sonhos são manifestações do nosso inconsciente. Os meus, na maioria das vezes, não passam de sinalizações das necessidades fisiológicas que sempre me fazem acordar assustada pelo medo de ter voltado, sem querer, a ser criança...

O fato é que tive um sonho. Sonhei que estava em Cruz das Almas, cidade em que nasci, lá no interior da Bahia. “Ah, Bahia! Bahia mistura de fé e alegria[2]...” Opa, deixemos esse refrão carnavalesco saudoso de lado, e vamos ao que interessa. Entre tantas partes do sonho, ficou gravada na memória o momento que eu encontrei uma mulher na varanda de casa e ela me perguntou:

Você é professora de quê?

De português— respondi entusiasmada. E ela, sem pestanejar revidou:

Ah... Então você é professora de palavras-cruzadas.

Não me recordo da resposta que dei, aliás, nem se respondi. Porém, desde então, fico pensando SE e o QUANTO as palavras se cruzam. O que me trouxe novos devaneios, agora acordada.

Passei a pensar se, de fato, não sou professora dessa “nova” disciplina. Uma vez que, quando penso nas palavras, suponho que houve uma primeira, depois uma segunda, as duas se cruzaram, e nasceu uma terceira...

? Palavras-cruzadas, lógico!

Temos um fenômeno, o ato que une, fecunda, gesta e pare uma nova palavra.

Já que estamos no campo dos devaneios, pensemos na palavra aguardente. Água e ardente, a princípio tão opostas, se juntam e fazem com que alguns que a provem, se entreguem a Morfeu. Outros, se inflamam, fazem juras de amor eterno, vão do céu ao inferno.

A ideia não é levar vocês a refletirem tristemente, por isso vou pensar em uniões mais estáveis, em cruzamentos menos perigosos. Assim, pensei no vocábulo carta, que se uniu ao pequeno, mas não insignificante sufixo -ão e pariu o grande cartão.

Depois de se tornar independente, cartão se uniu ao sufixo -inho, gerando um cartãozinho. Que cruzamento mais louco... fundiu a cuca. Como pode algo ser grande e pequeno ao mesmo tempo?

Que devaneio louco, amigos, esqueça-o. Deixe que apenas eu padeça com esse sonhar absurdo, já está me parecendo que o cruzar das palavras é tão complexo quanto o cruzar das ruas, avenidas, histórias e vidas.

Vou parar por aqui, não quero envolvê-los ainda mais nessa tão laboriosa teia. Que apenas eu me perca nesses fios.

Mas, antes do adeus, respondo a fantasiosa pergunta do sonho:

?Sou sim, professora de palavras-cruzadas, afinal misturando-as ganho vida e, quem sabe, salvo algumas.

DICIO - Dicionário Online de Português. Disponível em: Sonho - Dicio, Dicionário Online de Português. Acesso: 08 de maio de 2024.

FIGUEIRA, Felipe. Diário de um Docente: 2019-2021. 1ª edição. São Paulo. Patuá, 2023.



[1] A guerra dos meninos, canção imortalizada pelos grandes Roberto e Erasmo Carlos, no LP Roberto Carlos, lançado em 1980.

[2] Coro geralmente cantando com a música Chame Gente, de Moraes Moreira e Armandinho Azevedo.

Jacilene Cruz


Anuncie com Jornal Noroeste
A caption for the above image.


Veja Também


smartphone

Acesse o melhor conteúdo jornalístico da região através do seu dispositivos, tablets, celulares e televisores.