Decifra-me ou devoro-te
“Qual animal tem quatro patas pela manhã, duas pela tarde e à noite três patas? Essa era a pergunta que a esfinge, ser mitológico, fazia. Édipo, personagem grego, decifrou o enigma e libertou o reino de Creonte do ser bestial. Se você não lembra a resposta, convido-os a clicar em https://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/esfinge.htm e achá-la. Super vale a pena pesquisar um pouquinho e ler a história toda.
Além da clássica charada feita pela esfinge, várias outras existem e, desde criança, somos instigados a chegar na solução. E quando chegamos, um mar de prazer e satisfação nos inundam. Não li nada científico a respeito, mas creio que quando solucionamos um “problema”, a dopamina, serotonina, endorfina e quem sabe, até a ocitocina perca seu “quê sexual” e façam festa dentro de nós
Deixando a ciência de lado, afinal meu caso de amor é com a arte. E essa danadinha também nos presenteou com vários enigmas. Eu já começo pegando pesado no exemplo: o perspicaz e feroz escritor, Machado de Assis, deixou sua marca da literatura mundial: e aí, traiu ou não traiu?
Eu tenho uma teoria, você tem outra. Estudiosos do mundo inteiro divagam, tecem incontáveis laudas, mas nada é definitivo. O ilustre escritor levou consigo a chave.
Não só a literatura, há outras manifestações artísticas envoltas em charadas. Vez e sempre as novelas televisivas prendem nossa atenção por algo oculto que ansiamos decifrar. Afinal, quem não se corroeu até saber quem matou a Odete Roitman?
Saindo da dramaturgia brasileira, outro exemplo bem interessante é o médico narcisista House. Viciado em “charadas” da medicina, faz qualquer coisa para descobrir de qual doença o paciente sofre. Sem empatia ou escrúpulo, é dominado pela egoísta sede de resposta.
Mas adivinhar não foi privilégio apenas de Édipo, dos noveleiros ou do desumano House. Quantas vezes nós ficávamos horas, quiçá dias, tentando achar resposta para um “o que é, o que é...” Vamos combinar que a vida também era boa quando não havia resposta na palma das mãos.
E por falar no tempo em que as respostas custavam a chegar, desengaveto da memória os almanaques de farmácia.
- Quem aí se lembra deles?
Todo começo de ano, eu os aguardava com muita impaciência. O tempo de espera para o ansioso é sempre imenso, mas não tardava e o pequeno maço estava preso em minhas mãos, trazendo o calendário lunar, dicas de pesca e agricultura, charadas, piadas e propagandas de remédio.
Meu mundo se voltava para aquelas poucas folhas grampeadas que também traziam o santo de cada dia, sugestão de nomes para recém-nascidos, receitas e as deliciosas cartas-enigmáticas que, de forma particular, muito me interessavam.
Um pedaço de papel, um lápis velho com borracha na ponta, o cérebro a mil e os olhos grudados naquela mistura de desenhos, meias palavras e sinais matemáticos. O tempo me torturava, às vezes era necessário mais que um dia para a criança curiosa se encher de dopamina, serotonina e endorfina...
Aqueles almanaques me faziam Édipo e Capitu. Eu derrotava a esfinge. Eu livrava a humanidade de um dos seus maiores enigmas literários.
Capa do Almanaque Sadol – 1995 |
Carta enigmática do Almanaque Sadol – 1995 |
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Fonte: https://catarinensepharma.com.br/institucional/almanaque-sadol/ |
Fonte: https://pt.slideshare.net/slideshow/cartas-enigmticas-77445100/77445100 |
Se essa crônica foi nostálgica até aqui, tenho o prazer em dizer que deixará de ser. Foi estratégia de escrita para prender a valiosa atenção de vocês. O quero realmente é dizer que:
- Amigos, nesses tempos atuais, não só deciframos, mas também ciframos mensagens.
Olha só: os recados ou comentários de alunos ou amigos que recebo no celular, seja WhatsApp ou em redes sociais me fazem perder uns instantes para compreender sua totalidade, seu sentido. Acredito que vocês também dediquem algum tempo para saber o que querem dizer aquelas meias palavras, desenhos e sinais matemáticos. São verdadeiros quebra-cabeças:
Mensagens |
Adivinhações com figurinhas (emojis) |
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Fonte: Jacilene Cruz |
Fonte: https://www.dicionariopopular.com/brincadeiras-com-frases-com-emojis-para-decifrar/ |
Foram-se os tempos áureos dos almanaques de farmácia, chegou o tempo da troca rápida e sintética de informação. E apesar de muito conhecimento está na palma das mãos, ainda podemos brincar com a arte de decifrar. Como dizem por aí o mundo capotou.
Entramos de novo no rio, mas este já não é exatamente como o de antes[1]. Como vocês fazem, não sei, mas eu continuo com papel e lápis com borracha ponteira, mas troquei o almanaque pelo celular. A mente já não é tão ativa, afinal não sou mais a juventude, apenas desejo me manter, de alguma forma, ligada a ela.
[1] Paráfrase de “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio" de Heráclito de Éfeso, filósofo da antiguidade.