OS EDUCADORES SOB ATAQUE
Vivemos em uma época em que há tantas e estarrecedoras declarações que ficamos atordoados e quase incapazes de enfrentar a todas da maneira necessária. Uma delas surgiu em uma entrevista do ex-ministro da saúde e deputado federal Ricardo Barros (PP), no dia 24 de abril para o canal de televisão CNN Brasil. O líder do governo federal na Câmara dos Deputados insultou duramente os educadores. Entre outras coisas, disse o seguinte: "é absurdo a forma como estamos permitindo que os professores causem tantos danos às nossas crianças na continuidade da sua formação. O professor não quer se modernizar, não quer se atualizar. Já passou no concurso, está esperando se aposentar, não quer aprender mais nada".
A fala do parlamentar – agora envolvido no escândalo do suposto superfaturamento da vacina Covaxin – foi enunciada em um contexto em que ele defendia o retorno das aulas presenciais, o que ainda não teria acontecido, de acordo com ele, por resistência dos docentes. A entrevista causou revolta e tristeza no magistério brasileiro. No entanto, infelizmente, não foi um caso isolado. A realidade é que está em curso um projeto extremista de desmoralização e desacreditação dos professores e da educação brasileira. Embora tenhamos antigos problemas estruturais como escolas sucateadas e professores mal pagos, moralmente os educadores eram tidos – de maneira romantizada, é verdade – como “guerreiros” e “heróis nacionais”. No entanto, ao longo dos últimos anos, iniciou-se um processo de ataque à reputação dos educadores, agredindo-os em seu caráter, suas intenções e sua contribuição para o país.
Os professores foram transformados em maléficos doutrinadores que conspiram contra os “bons costumes”, a “família tradicional”, as ”pessoas de bem” e o “progresso do país”. Esta categoria deixou de ser vista como um grupo que merece valorização para ser tratada como parte do problema. Foi assim que surgiu, por exemplo, figuras como a da “mamadeira erótica” e a do “doutrinador”. Muitos docentes tiveram seu exercício profissional invadido e foram linchados nas redes (anti)sociais tão somente por realizarem o seu trabalho, como determina a ciência e os preceitos constitucionais. Assim, de heróis pátrios, os educadores passaram a ser combatidos como inimigos da nação.
A construção dessa imagem, de fato, facilita o próprio processo de desmonte da educação pública brasileira, das pré-escolas às universidades. O caso dos professores do Paraná ilustra dramaticamente esse processo. Há quase uma década não são feitos concursos. Escolas e universidades estão vivendo à míngua. A cada dia aumenta o volume de trabalho, os salários não acompanham nem mesmo a inflação e boa parte dos docentes trabalham em regime temporário, sem qualquer estabilidade e direitos trabalhistas. A pandemia, por sua vez, ao contrário do que o deputado Barros sugere, intensificou ainda mais o trabalho docente.
A situação dos professores de sociologia, filosofia e artes deste estado é ainda pior, visto que estas disciplinam tiveram a quantidade de aulas por turma reduzidas pela metade. Assim, para cumprirem suas jornadas de trabalho, tais profissionais precisam lecionar em várias escolas e atenderem até 30 turmas, o que representa, no mínimo, três mil alunos. Imagine, caro leitor, como isso seria possível? Em que condições estes mestres poderão acompanhar pedagogicamente tamanho número de estudantes? Percebe-se, então, que a única forma de fazer a sociedade concordar com isso é transformando tais profissionais em vilões execráveis.
A verdade, porém, é que os educadores não são os heróis outrora romantizados, mas menos ainda as bruxas que agora querem queimar. Trata-se, em suma, de uma categoria profissional de grande relevância social, cultural e econômica para uma nação que se pretenda igualitária e próspera. Recuperar a dignidade desse setor é fundamental tanto por justiça quanto para a construção da soberania nacional. De fato, para se contrapor ao parlamentar mencionado na abertura, os profissionais da educação não apenas querem se modernizar quanto são fundamentais para isso. Valorizá-los à altura de sua importância é fundamental para que este país saia das trevas em que se meteu.