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“Olhos de engolir horizonte”, de Silvio Valentin Liorbano


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 18/02/2021
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O livro “Olhos de engolir horizonte”, do poeta paulista Silvio Valentin Liorbano, é um louvor à vida. Toda a obra é composta de poemas com quatorze versos, dando ares de um soneto livre. Na verdade, é a ideia de liberdade que parece ser o grande mote do poeta, que logo de início, no primeiro poema, expõe o seu amor à esposa. O poema se chama “Corpo-mar” e tem a seguinte dedicatória: “À minha mais linda Mercedes”. Este poema pode chocar o leitor desavisado, pois expõe a intimidade do casal. Alguns poderiam pensar, até com certa razão: “não seria melhor deixa esse poema para o meio do livro, quando o leitor já ganhou intimidade com o escritor?”. Tal crítica até pode ter razão, todavia, é a liberdade, e nunca a vulgaridade (algo que não se vê no livro de Liorbano), o mote da obra.

            À parte as considerações anteriores, há de se observar algo fundamental para entender o livro em questão: trata-se de uma grande homenagem feita por Silvio Liorbano ao crítico literário Alfredo Monte, que faleceu em 2018, em decorrência das dificuldades impostas pela Esclerose Lateral Amiotrófica (E.L.A.). No caso, os “olhos de engolir horizonte” fazem referência ao crítico que, pelos olhos, engolia horizontes, lia, vivia intensamente em seu mundo interior (repleto de exterioridades!), escrevia (com as sobrancelhas) e mantinha um blogue repleto de resenhas. Monte, por causa da doença degenerativa, ficou aprisionado ao corpo a ponto de mal se mexer, no entanto, a exemplo de Stephen Hawking (a referência soa como inevitável), criou mundos e, por isso mesmo, era livre. Vale a pena destacar um trecho do poema “Biblioteca de Borges”, que bem serve de metáfora a Monte: “Às vezes a vida pede que a gente leia/ Rodeado de liberdade e prisão,/ Alas de costas e escuridão/ Um Jonas dentro da Baleia.” (LIORBANO, 2020, p. 29). E também é digno de menção integral o poema “Cuco”:

 

Cuco

Faz cinco anos que o cuco fugiu da gaiola das horas

Ninguém sabe ao certo seu paradeiro

Se agora vive na república de algum viveiro

Ou na casa de luz vermelha daquelas senhoras.

Faz cinco anos que lhe escorreu pela face o verniz

Tal qual um Pinóquio sem maquiagem

Certa manhã encheu-se de coragem

E foi ser feliz.

Faz cinco anos que o tempo ficou sem voz,

Mas há quem ouça o ruído oco e vazio

Da saudade dele em nós.

Faz cinco anos e a casa inteira

Espera por seu canto tardio

Sua alma nunca foi de madeira. (LIORBANO, 2020, p. 28).

 

            Quando vejo o debate liberdade versus dependência, lembro-me do que dissera Albert Schweitzer em “Minha vida e minhas ideias”: “O que me emociona profundamente é que sou livre num tempo em que a deprimente falta de liberdade é o destino de muitos, e, embora realizando trabalho material, possuo simultaneamente a possibilidade de atuar também no terreno espiritual” (SCHWEITZER, s/d, p. 250). No caso do mestre alemão, ele enfrentava diversas dificuldades materiais, mas, nem por isso, era menos livre, como é possível constatar pela referência anterior. E que dificuldades seriam essas? Financeiras, territoriais (o músico, filósofo, teólogo e médico, no início do século XX, foi à África exercer a medicina) e ideológicas (muitas vezes o rotularam de lunático). Todavia, o pensador conseguiu realizar grandes obras, tanto no campo das ideias quanto no campo mais prático possível, no caso, ele construiu um hospital onde muitos sequer imaginariam. No caso de Alfredo Monte, as dificuldades físicas eram grandes, porém, como analogia, ele também era alguém livre, não ao acaso sua concepção de mundo é lembrada após a sua morte, agora, em razão da bela homenagem do poeta paulista, que também possui olhos capazes de engolir horizontes.

            A título de epílogo, resta assinalar que eu gosto de livros de homenagens, pois eles são como advertências em meio a uma sociedade líquida: “observem tal pessoa que, por mais que já se foi (às vezes, não), suas ideias não passaram”. No caso de “Olhar de engolir horizonte”, temos esta advertência em relação a Alfredo Monte. Porém, a obra aqui em resenha não é apenas uma homenagem a alguém (o que já teria valor), mas é um tributo à poesia como um todo. Silvio Liorbano é ele próprio um “olho”, personagem central em seu livro, que nos traz diversas experiências, sejam no âmbito poético, sejam no âmbito de experiências de viagens a várias cidades brasileiras, após, ou simultaneamente, transformadas em poesia. Na última parte do seu livro, intitulada “Terra estrangeira”, há poemas que terminam com nomes de cidades e o ano em que foram escritos. Quantos olharem foram desferidos! Quantas experiências foram impressas! A liquidez foi, ainda que provisoriamente, suspensa.

 

 

Albert Schweitzer. Minha vida e minhas ideias. Trad. de Otto Schneider. São Paulo: Companhia Melhoramentos, s/d.

Silvio Valentin Liorbano. Olhos de engolir horizonte. São Paulo: Editora Patuá, 2020.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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