O mundo de Maurício de Sousa
“Eu compro o que a infância sonhou.”
Da música “Coração pirata”, Roupa Nova
Em uma das minhas idas a São Paulo, em janeiro de 2025, coloquei em minha agenda um lugar incrível: a Maurício de Sousa Produções. Mas, mesmo tendo visto fotos e vídeos, nada superou estar no local e fazer uma visita guiada ao coração da minha revista em quadrinhos preferida.
Ler, para mim, sempre foi sinônimo de viajar, e com a Turma da Mônica sempre foi assim. A cada novo gibi que eu ganhava um universo mágico se abria. Como eu escrevo há décadas, por que não conhecer o local de trabalho de um outro escritor, no caso, o do grande Maurício de Sousa?
O estúdio é belíssimo, colorido, povoado por todos os personagens da Turma, com os artistas trabalhando, seja por meio do roteiro, do desenho, do audiovisual ou da parte empresarial.
Dentre as curiosidades que são consolidadas na visita é possível destacar:
· Os dois primeiros personagens foram o Bidu e o Franjinha, sendo Bidu considerado o primeiro por aparecer no cabeçalho da tirinha.
· No início dos trabalhos de Maurício só havia personagens masculinos, mas, devido aos pedidos das leitoras, vieram as criações das meninas.
· Maurício tem dez filhos e todos eles são personagens. Dentre eles há a Mônica, a Magali, a Marina, a Maria Cebolinha (Mariângela Spada e Sousa, que é a filha mais velha) e o Nimbus (Mauro Sousa).
· Antes da Mônica surgir já havia o Cebolinha e ele era o “dono da rua”. Daí o sonho dele de retomar o domínio do que ele possuía.
· A Mônica era brava, forte e batia nos demais irmãos com um coelhinho amarelo de palha. Inicialmente, o coelhinho não tinha nome, mas, fruto de uma votação, veio o Sansão. E por que ele se tornou azul? Porque a apresentadora Hebe Camargo deu ao Maurício um coelho de pelúcia azul e o artista gostou da ideia. Assim, também, doeria menos ao ela bater nos meninos.
· Inicialmente, o Cebolinha tinha mais fios de cabelo, mas, como eles eram finalizados com tinta nanquim, que borrava facilmente, era trabalhoso. Então veio a ideia de excluir alguns fios e deu certo. Só o Cebolinha tem sapatos, porém, para que ele não fosse o perdedor da história: careca (cinco fios apenas) e descalço.
· Também no início, o cabelo do Cascão era feito cacho por cacho, o que dava trabalho e borrava com facilidade. Então um desenhista, Sérgio Graciano, pintou o cabelo do querido sujinho com a própria digital e o Maurício achou a ideia brilhante. Hoje, porém, ao invés de todos sujarem as mãos, tudo é digital, ainda que alguns desenhistas (poucos) usem lápis.
· O “Jotalhão” inicialmente era rosa, mas, como se tornou o primeiro “garoto propaganda” de Maurício, em parceria com a Cica, trocou de cor, pois o rosa não combinava com o vermelho, daí o elefante ficar verde.
· E quem era, afinal, “Bidu”? O cachorrinho que Maurício tinha na infância, sendo que até hoje o artista tem um “Bidu”, que o acompanha nos estúdios e em todos os lugares. Maurício gosta tanto da raça schnauzer que por gerações a tem.
· Dentre os desenhistas que fazem o processo de criação manualmente está Sidnei Lozano Salustre, que tive o prazer de conhecer e conversar. Sidnei Salustre trabalha há mais de cinco décadas com Maurício e é a inspiração (física) e um dos criadores do “Louco”. Segundo o artista me revelou, foi pedido para ele desenhar um personagem e, inconscientemente, os traços ficaram parecidos com a sua aparência física e assim ficou.
Ao longo da visita, minha esposa e eu brincávamos: “O que fizemos de nossas vidas? Por que não trabalhamos aqui?” É claro que era brincadeira, pois, para estar em um lugar de excelência internacional, não é nada fácil, contudo, quem disse que a vida é fácil? Quando vejo as pessoas querendo uma ou duas profissões apenas, eu me entristeço, pois a vida é plural. Foi maravilhoso saber e ver que há pessoas criando sonhos.
Não foi possível triar fotos livremente ao longo do estúdio, apenas em pontos específicos, como no museu. Em um ou outro lugar havia um fotógrafo do próprio estúdio. Gostei dessa estratégia, pois o passeio fluiu, além do que, não estávamos em um lugar qualquer, mas onde há pessoas com as mãos na massa, trabalhando para levar histórias para todo o mundo. Foi bonito ver a qualidade de tudo, desde os computadores e mesas digitais, até o estúdio de gravação das animações. Há artistas que trabalham com Maurício de Sousa há décadas, há cinquenta, há quarenta, há trinta anos, algo essencial para que a qualidade se consolide. Eu fico triste e preocupado quando vejo empresas com alta rotatividade de funcionários.
Infelizmente nem Maurício de Sousa e nem os seus filhos estavam no estúdio, pois estavam em viagem, mas, o fato de eu ter visto onde tudo acontece e o “Louco”, valeu demais. São Paulo é uma cidade das mais complexas do mundo, com riqueza e miséria andando lado a lado, mas, que propicia momentos mágicos, como o que aqui eu mostro.
Um detalhe final, que foi um capricho da Maurício de Sousa Produções. Visitamos o local em 08/01/2025, um dia antes do lançamento do filme “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” e, na saída, minha esposa e eu ganhamos quatro ingressos. Além desse presente, também ganhamos um gibi e um marca página. E, já do lado de fora do estúdio, encontrei-me pela última vez com Sidnei Salustre e pedi um autógrafo em minha revistinha, ao que, gentilmente, me concedeu.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.