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“O caso dos exploradores de caverna”, de Lon L. Fuller


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 16/12/2021
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A lei:

“Quem quer que intencionalmente prive a outrem da vida

será punido com a morte.” (FULLER, 2008, p. 8).

 

            O livro acima indicado conta a história de cinco exploradores de cavernas que, ao estarem em sua diferente atividade, se depararam com uma trágica situação: há um desmoronamento que impedia os homens de saírem da caverna e a partir disso começa o desespero e o drama do livro. Com o passar dos dias e a falta de alimentos, o grupo, diante da certeza da morte, esta assegurada por um médico, que se comunicava por meio de um rádio transistorizado, toma a decisão de que um deles deveria morrer para servir de alimento aos demais. Como a tragédia não acaba nessa ideia original, Roger Whetmore, que propôs o “contrato de sangue”, será ele próprio, por meio de um sorteio de dados, quem deveria ser “assassinado” pelo bem do grupo. “Assassinado” entre aspas porque será em torno desse tema que o livro se desenvolverá, na Suprema Corte de Newgarth, no ano de 4300. Os quatro que mataram Whetmore eram ou não assassinos? Se sim, deveriam ser condenados?

            “O caso dos exploradores de cavernas” traz à cena várias questões, todas elas respondidas e problematizadas. Respondidas só parcialmente e problematizadas extensamente. A vida é um valor absoluto? É possível matar em nome da vida? Até que ponto há essa possibilidade? Quais os limites de um contrato? A dignidade da pessoa humana se sobrepõe à vida? Se sim, o que separa a dignidade da vida? Onde podemos encontrar essa linha?

            Na obra, a tragédia não termina na morte de Whetmore, mas se estende à exaustão. Para resgatar os exploradores de caverna, uma grande equipe foi montada, com engenheiros, operários, geólogos, médicos e outros profissionais. Mas, durante o resgate, novos desmoronamentos ocorreram, que vitimaram dez operários. Já são onze mortos na história. Inicialmente, quando eram só os cinco homens em uma trágica situação, o “Dilema do Bonde” seria possível de ser aplicado, porém, com o decorrer da história, esse “Dilema” torna-se realmente um dilema. A quem pensar que as mortes terminam com essas onze, que leia toda a história que, por sinal, é curta. Fuller conseguiu abraçar o mundo em poucas palavras.

            Outros problemas trazidos pelo livro, por meio do julgamento dos exploradores, são: é possível pensar a partir do direito natural diante do caso narrado? Quais as consequências desse tipo de postura? É melhor que o juiz se engaje para compreender o espírito da lei ou que só a aplique, no sentido mais literal possível? Mas, e se o juiz for um estrito aplicador da lei, isso não pode gerar um apelo pela burocracia e pelo direito acima de tudo? Mas, e se o juiz se tornar um legislador, isso não pode, também, desbalancear os Poderes? Os votos dos juízes Foster e Keen são belos porque expõem concepções de mundo distintas, o que permite a nós, leitores, ir de um lado para o outro da argumentação, e nós próprios vermos os limites de algumas crenças que carregamos.

            Como disse antes, essa obra é valiosa não só para quem estuda o direito, mas para qualquer pessoa que queira realmente pensar. Nesse sentido, ela pode ser um valioso material para estudantes de licenciaturas, que tantas vezes se depararão com situações difíceis no dia a dia, e que eles deverão, a partir de uma situação concreta, enxergar as suas diversas nuances. O ideal, por mais difícil que seja, é ninguém se prender a um ponto de vista, como no caso dos juízes de “O caso dos exploradores de caverna”. A vida é múltipla e assim deve ser vista. Conforme dito, isso é um exercício difícil, mas deve ser praticado.

O grande mérito de Lon F. Fuller foi ter deixado à humanidade um livro que é, ao mesmo tempo, ficção e realidade (a história em si é fictícia), pois os mesmos dilemas que atormentaram os exploradores e os juízes certamente atormentaram nossos antepassados e atormentarão nossos descendentes.

 

Post scriptum

Tendo o Tribunal pronunciado seu julgamento, o leitor intrigado pela escolha da data pode desejar ser relembrado que os séculos que nos separam do ano 4300 são aproximadamente os mesmos que se passaram desde a Época de Péricles. Não há provavelmente nenhuma necessidade de observar que o Caso dos Exploradores de Cavernas não pretende ser nem um trabalho de sátira, nem uma profecia em qualquer sentido comum do termo. No que concerne aos juízes que compõem o Tribunal do Presidente Truepenny, eles são naturalmente fictícios quanto os fatos e precedentes com os quais lidam. O leitor, que se recusar a aceitar este ponto de vista e que procurar descobrir semelhanças contemporâneas onde nada disso foi buscado ou considerado, deveria ser advertido de que se mete numa aventura sob sua própria responsabilidade, a qual pode levá-lo a desviar-se das verdades enunciadas nos votos emitidos pela Suprema Corte de Newgarth. O caso foi imaginado com o único propósito de focalizar certas posturas filosóficas divergentes a respeito do direito e do governo. Posturas estas que são hoje ainda as mesmas que se agitavam nos dias de Platão e Aristóteles. E talvez elas continuem a apresentar-se mesmo depois que a nossa era tenha pronunciado a propósito a sua última palavra. Se há alguma espécie de predição no caso, não vai além da sugestão de que as questões nele versadas encontra-se entre os problemas permanentes da raça humana.” (FULLER, 2008, p. 74-75).

 

 

Lon L. Fuller. O caso dos exploradores de cavernas. Trad. de Plauto Faraco de Azevedo. Porto Alegre: Editora Fabris, 2008.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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