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O CASO MARI FERRER


Por: Assessoria de Imprensa
Data: 09/11/2020
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O caso Mariana Ferrer teve início em 2018 e gerou repercussão tanto na mídia quanto nas redes sociais por se tratar de um acontecimento complexo e por envolver a acusação de um dos crimes mais repulsivos presentes no Código Penal, o estupro de vulnerável. Mas foi na última terça-feira, 03/11/2020, que o caso obteve novos e estrondosos ecos, após o ‘’The Intercept Brasil’’ publicar vídeos da audiência que tratava do sucedido, bem como considerações sobre o processo.

Desde então, muito foi criticado, falado e polemizado. Muita exposição, colocação e opinião. Somente algumas ponderações racionais. E o resultado foi uma grande confusão acerca da decisão judicial e do infeliz episódio em que Mariana Borges Ferreira foi demasiadamente ultrajada.

Assim, o nosso intuito com este artigo é simplesmente esclarecer alguns pontos, que com a intensa altercação foram emaranhados. Deixaremos claro as duas circunstâncias, completamente distintas, referentes ao ocorrido e apontaremos o dizer legal. Ficando, portanto, sob a sua responsabilidade, a conclusão frente a tudo o que será exposto a seguir.

Os vídeos da audiência:

Em primeiro lugar: SIM, foi um completo desrespeito e uma total falta de profissionalismo a atitude do advogado de defesa, ao humilhar a moça, levando-a às lágrimas. Tudo isso, dentro de uma audiência e tendo como espectadores, um outro advogado, um juiz e um promotor. Mariana foi desonrada, insultada, rebaixada e psicologicamente violentada, fotos suas foram expostas, que em nada correlacionavam com o feito, e esfregadas na câmera, para que houvesse maior ênfase no show de horrores conduzido pelo advogado.

E o pior aconteceu, não acontecendo. Advogado, magistrado e promotor nada fizeram para que a cena detestável chegasse ao fim. Nós estamos falando de uma ação que jamais poderia ocorrer, ainda mais partindo de quem partiu. Da mesma forma que estamos nos referindo a uma omissão por parte daqueles que têm o dever de agir. À visto disso, nós resta torcer para que as devidas responsabilizações sejam imputadas de maneira efetiva.

São os juristas os encarregados pela mobilização do Direito, que é uma ciência argumentativa e dialética. Todavia, não se pode tudo em nome disso. Se os responsáveis pela dita ciência são os seres humanos, é necessário também ter em mente que são essas mesmas pessoas as suas destinatárias.

O caso por si só, diz respeito a uma situação bastante melindrosa por compreender particularidades difíceis, existentes em todo processo criminal, mas que no pleito aqui em questão são de forte incidência. E a mídia e as redes sociais, mais uma vez, têm ajudado a complicar um bocado. No final das contas, Nils Christie tinha total razão ao dizer que o processo penal inflige dor para todos os lados.

Agora, sob o outro viés, que a análise carece, é destacável que uma situação é a que gravita em torno do fatídico capítulo já explanado, ou seja, os vídeos da audiência. Outro cenário completamente diferenciado, por sua vez, é o que concerne ao processo e as suas repercussões legais. Muito embora ambas as ocasiões estejam no mesmo ambiente, são fatos diferentes.

- Por: Juliani Leite.

Mestranda em Ciências Jurídicas. Graduada em Direito – UniCesumar.

 

 

O processo:

Em segundo lugar: “Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege”. A memorável frase em latim é amplamente conhecida no âmbito jurídico e significa que não há crime sem lei anterior que o defina ou pena sem prévia cominação legal. Ilustra, com maestria e simplicidade, o princípio da legalidade, introdutório do Código Penal brasileiro.

O caso de Mariana Ferrer trouxe a lume uma indignação popular sob a bandeira de que “não existe estupro culposo”. As manchetes jornalísticas evidenciavam que o acusado de estupro de vulnerável havia sido absolvido por uma sentença inédita no Direito Brasileiro, devido à ocorrência de “estupro culposo”, tipo penal que, deveras, não existe na legislação, configurando-se verdadeira aberração jurídica, em arrepio ao princípio da legalidade.

Contudo, a sentença do caso não mencionou o termo em momento algum. Em verdade, a tese da defesa não se tratou de culpa, mas sim de erro de tipo essencial elementar, alegação comumente utilizada em delitos dessa natureza.

O erro de tipo essencial elementar, previsto no artigo 20, do Código Penal, caracteriza-se quando o sujeito, por equivocada compreensão da realidade, não tem consciência de que pratica elementar do tipo. No caso de Ferrer, a defesa alegou que o denunciado não tinha como saber se a vítima não tinha condições de consentir com o ato sexual. Destarte, para o causídico de André de Camargo Aranha, o réu somente praticou a ação porque acreditava que M. Ferrer detinha condições para consentir, o que denota errônea compreensão da realidade. Desse modo, consoante o advogado, acreditava Aranha que a relação sexual era lícita, visto que, caso o empresário tivesse ciência da vulnerabilidade da ofendida, não teria praticado a ação.

No que tange ao erro de tipo, esclarece-se que pode ser inevitável ou evitável. Se inevitável, exclui, além do dolo, a culpa. Se evitável, exclui o dolo, mas permite a condenação na modalidade culposa, caso haja previsão em lei. Neste passo, não havendo previsão legal de culpa para o estupro, André Aranha seria absolvido, tanto em caso de evitabilidade, quanto inevitabilidade.

Em suma, tratou-se, de insofismavelmente, de erro, e não de culpa. A culpa, positivada no artigo 18, inciso II, do Código Penal, configura-se “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”, o que foge ao caso.

No Direito há quatro classificações acerca de elementos subjetivos do tipo: dolo direto, que enseja vontade livre e consciente de praticar o resultado; dolo eventual, caracterizado quando o agente assume o risco de produzir o resultado da conduta, demonstrando indiferença em relação a ele; culpa consciente, configurada quando o agente não deseja o resultado, ainda que previsível sua ocorrência; e culpa inconsciente, definida como ausência de vontade, bem como imprevisibilidade do resultado.  

Nada obstante as diferenças entre os institutos, a sociedade cometeu uma equivocidade. O clamor popular cerceou premissa intrínseca à toda ação penal, qual seja, de que é necessário acolher a vítima, mas preservar, durante todo o trâmite processual, a presunção de inocência do acusado, sabidamente prevista pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, inciso LVII. Tratou-se, de fato, em translúcido ativismo judicial.

Com efeito, salienta-se que o Julgador Rudson Marcos (da 3ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis, Estado de Santa Catarina) sequer absolveu o acusado por acolhimento da tese defensiva. A absolvição se deu com lastro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, o qual determina que o juiz deve absolver o réu quando inexistir provas suficientes para a condenação. O dispositivo retro dedilhado traz à baila o princípio “in dubio reo”, garantidor da presunção da inocência, que determina a absolvição do réu quando há dúvidas a embasar eventual decreto condenatório.  

O magistrado assim decidiu em virtude do resultado negativo do exame toxicológico da jovem, o que instalou incerteza ao efetuar o julgamento, uma vez que embora a jurisprudência seja vasta ao valorar consideravelmente a palavra da vítima em crimes sexuais como este, não se ignora que o depoimento há de mostrar, harmonia, coerência e concordância com o restante do acervo probatório encartado aos autos.

Isso não enseja desconsideração em relação às provas produzidas pela acusação. Denota, por outro lado, uma avaliação conjunta a panorâmica que, por sinal, espera-se de todo e qualquer magistrado. Mais uma vez prima pontuar que o presente artigo não visa demonstrar parcialidade, mas tão somente apontar esclarecimentos analíticos sobre os autos. Com efeito, sem acesso ao processo em um todo, ninguém se mostra apto a externar juízo de valor.

Em uma sociedade de (des)informação, a certificação da verdade deveria ser inerente aos meios de comunicação em massa, assim como a curiosidade deveria ser atributo de qualquer pessoa.

Por fim, pertinente a citação de frase dita por John Adams, segundo presidente dos Estados Unidos da América, porém antes de sê-lo. Como advogado, ele defendeu os soldados britânicos que estavam no banco dos réus nos julgamentos do Massacre de Boston, em dezembro de 1770. Adams defendeu seus adversários, porque acreditava que a verdade deveria ser buscada acima de tudo. Assim, disse: “Fatos são coisas teimosas; e, quaisquer que sejam nossos desejos, nossas tendências ou os ditames de nossas paixões, eles não alteram o estado dos fatos e das evidencias” (SAGAN, 2008)*.

- Por: Kimberly Seixas.

Graduanda do 5º ano em Direito – UEM. Estagiaria do TJ/PR.

 

*SAGAN, Carl. Variedades da experiência científica. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

 

 


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