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Menino do engenho: regionalismo literário e as relações sociais no nordeste brasileiro


Por: Especial para JN
Data: 10/09/2025
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Giovana Teixeira da Silva

Laura Domingues Martins

Mateus Hildebrando Rovida

Professora Lilian Cristina Vieira da Silva

Foto: Divulgação

A obra Menino do Engenho de José Lins do Rego, publicada originalmente em 1932, expõe uma realidade da época do Ciclo da Cana de Açúcar, explorando o ápice e o declínio dos engenhos no Brasil[1]. Um importante escrito literário da segunda geração modernista, pois apresenta intenso caráter crítico-histórico. Assim como, uma inovação literária por se encaixar em um gênero semiautobiográfico[2].

Seu impacto na contemporaneidade torna-se claro quando se estuda o regionalismo e as relações sociais no Nordeste brasileiro. Dessa forma, o texto intui reconhecer a obra em sua subjetividade e importância para a época e para Literatura brasileira. Para alcançar o objetivo almejado, elaborar-se-á um levantamento bibliográfico a respeito do contexto histórico da obra e suas implicações sociais.

Este artigo apresenta como principais tópicos a abordagem de pautas acerca do declínio dos engenhos no Brasil, masculinidade, regionalismo e formação da identidade nacional, nos quesitos sociais, sobre a população negra pós-escravidão. Em seguida, busca-se obter uma resposta de maneira específica para a seguinte questão: como as relações sociais históricas moldam o comportamento nacional?

A princípio, é preciso explicar que os engenhos de açúcar foram os locais onde ocorria a produção açucareira[3]. Como atividade econômica, seu desenvolvimento teve início em meados do século XVI. O processo de produção iniciava-se a partir da moagem da cana-de-açúcar até o produto final. Uma das principais características desse processo, durante grande parte da história, seria a forte presença da mão de obra escrava, péssimas condições de trabalho, má alimentação, nenhuma remuneração e sujeitos à violência física e psicológica. Como afirma o historiador Boris Fausto “A escravidão foi uma instituição nacional. Penetrou toda a sociedade, condicionando seu modo de agir e de pensar.[4]” Completa ainda dizendo que “O desejo de ser dono de escravos, o esforço por obtê-los ia da classe dominante ao modesto artesão branco das cidades[5].” Diante de tal conjuntura, o ciclo econômico açucareiro manteve-se ativo economicamente com atuação dos engenhos até o século XVIII. Posteriormente, a descoberta do ouro em Minas Gerais se tornou a nova principal atividade econômica do Brasil colonial.

Apesar de narrado durante o declínio do ciclo dos engenhos (início do século XX), “Menino do Engenho” expõe de forma interna o funcionamento deste complexo açucareiro. Além disso, a obra adota uma perspectiva ascendente, revelando a sociedade a partir do olhar das classes subalternas em direção aos grupos dominantes. Incluindo como certas estruturas sociais deste período, como o racismo e o autoritarismo familiar, mantiveram-se presentes mesmo após a abolição da escravatura. Como pontua o sociólogo Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala, “a a casa-grande continuava viver mesmo depois de morta a senzala[6].” Embora o protagonista revele certa nostalgia ao relembrar de sua infância, a narrativa também evidencia os traços deste sistema injusto e opressor[7].

O garoto lembra-se de seu passado falando sobre momentos felizes e o convívio familiar, no entanto, em paralelo, comenta também de exemplos de situações violentas que fizeram parte de seu cotidiano, como a injustiça presente na vida no engenho. Essa noção anfibológica mostra ao leitor que, apesar do aspecto tranquilo e caloroso de sua infância, por baixo dos panos havia um sistema desigual que trazia sofrimento àqueles que o compunham. Como escreveu Graciliano Ramos, “Medo. Foi o medo que me orientou nos meus primeiros anos, pavor[8].” A narrativa faz uma profunda crítica à realidade do Brasil daquela época, mesmo que majoritariamente de forma velada[9].

Nota-se que a população é moldada a partir de princípios e ideias, denominados “ideologia”, que formam a conduta humana, de modo que, tal funcionamento pode ocorrer de forma voluntária e involuntária. De acordo com Karl Marx (1932, p. 48), as ideologias originam-se por meio de relações sociais, econômicas e políticas. Com base nisso, o filósofo reinterpretou tal conceito propondo que o sistema ideológico proporciona uma visão única, sem questionamentos à estrutura do funcionamento da sociedade. Na obra “Menino do Engenho”, o narrador personagem comenta sobre as práticas injustas que ocorreram durante sua vivência no engenho, e sob estas condições o garoto mostra passividade e omissão diante destas incoerências realizadas.

De maneira análoga, no Brasil atual, noventa e três anos desde sua publicação, a realidade permanece[10]. Visto que, ainda enfrenta-se o racismo estrutural, heranças do sistema escravocrata, e a desigualdade de classes. Além do mais, é apresentado na obra, o processo de formação de identidade de Carlos, que foi moldada a partir de suas experiências no engenho. A maneira como ele relembra de suas memórias com fascínio e critica reflete um movimento presente na literatura contemporânea, que busca entender como o passado familiar, regional e histórico influencia no momento presente.

Com base nas problemáticas aqui investigadas, pode-se concluir que a obra “Menino do Engenho” de José Lins do Rego, funciona como um importante documento literário, tornando cognoscível aos estudiosos contemporâneos diversas mazelas sociais presentes na estrutura da sociedade há séculos[11].

Além disso, os objetivos de analisar o regionalismo, a formação da identidade nacional e a representação das classes subalternas foram alcançados ao se perceber que a narrativa semiautobiográfica de Carlos revela um processo de construção identitária profundamente marcado pelo espaço dos engenhos e pelas relações desiguais ali existentes. A obra, portanto, serve não somente como arquivo literário, mas também como instrumento de crítica e reflexão sobre como essas estruturas continuam a influenciar as relações sociais e a identidade nacional até os dias de hoje.



[1] QUERO BOLSA. Ciclo da cana-de-açúcar. Disponível em: https://querobolsa.com.br/enem/historia-brasil/ciclo-da-cana-de-acucar. Acesso em: 29 jul. 2025.

[2] ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. José Lins do Rego: biografia. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/jose-lins-do-rego/biografia. Acesso em: 29 jul. 2025.

[3] CORDEIRO, Carla de Fátima. Pelos olhos do Menino de engenho. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. Disponível em: < https://www.santoandre.sp.gov.br/pesquisa/ebooks/344486.pdf >. Acesso em: 10 jul. 2025.

 

[4] FAUSTO, Boris. História do Brasil. 9. ed. São Paulo: Edusp, 1994.

[5] FAUSTO, Boris. História do Brasil. 9. ed. São Paulo: Edusp, 1994.

[6] FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48. ed. São Paulo: Global, 2003.

[7] BORDINI, Maria da Glória. José Lins do Rego: um escritor do século XX. Revista Letras, n. 71, p. 123–132, 2006. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/letras/article/download/10955/10558. Acesso em: 29 jul. 2025.

[8] RAMOS, Graciliano. Infância. 18. ed. Rio de Janeiro: Record, 1995.

[9] DANTAS, Cauby. Gilberto Freyre e José Lins do Rego: diálogos do senhor da casa-grande com o menino de engenho [online].  Campina Grande: EDUEPB, 2015. Disponível em: < https://static.scielo.org/scielobooks/y4x7f/pdf/dantas-9788578793296.pdf>. Acesso em 10 jul. 2025.

[10] FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48. ed. São Paulo: Global, 2003.

[11] MARX, Karl. A ideologia alemã. Tradução de Rubens Enderle e Leonardo de Deus. São Paulo: Boitempo, 2007. (Obra original publicada em 1932).

 


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