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Experiências em minas gerais (parte 2). O que é a arte?


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 30/01/2024
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Quando eu era criança, eu pensava que a capacidade criativa dos escritores e dos diretores de cinema era infinita. Depois que comecei a escrever, aos doze anos, tomei conhecimento de que a mente humana é poderosa, mas não infinita, de modo que a arte imita a vida. De um simples acontecimento do dia a dia, palavras são ordenadas.

Um dos maiores temores de todo artista, seja ele escritor ou ator, é de estar sendo repetitivo. Na verdade, se a arte se tornar reprodução, deixa de ser arte, o que é completamente diferente de querer criar o que nunca, nem em partes, foi feito. Quantas imagens religiosas de Jesus e de santos católicos foram feitas? Impossível contar. Porém, mesmo assim, o italiano Michelangelo Buonarroti e o Mestre Manuel da Costa Ataíde fizeram suas representações de Jesus e dos santos. A Capela Cistina é um exemplo da arte do primeiro, e o teto da Igreja São Francisco de Assis, de Ouro Preto, é uma obra-prima do segundo.

Teto da igreja São Francisco de Assis (Fotos: Felipe Figueira)

Para quem é historiador, ou para quem gosta de cultura, andar pelas cidades históricas mineiras é um museu a céu aberto. Ouro Preto, Mariana, Congonhas, Tiradentes e São João del Rei são obras de arte disponíveis a todos que as visitam. Em especial nas três primeiras, abundam obras dos mestres do Barroco Mineiro, Aleijadinho e Ataíde. Ouro Preto, por exemplo, tem vários quilômetros tombados em seu centro histórico, um feito extraordinário. E o que é um tombamento? Algo reconhecido por alguma entidade, no caso de Ouro Preto, a UNESCO e o IPHAN, como de alto valor histórico e que merece ser preservado.

Rua Paraná, em Ouro Preto

Mestre Ataíde foi, sobretudo, professor e pintor, deixando para a posteridade obras em quadros, em paredes (em formato de azulejo, na Igreja São Francisco de Assis) e em tetos de igrejas. É difícil, senão impossível, enumerar tudo o que o artista fez, de modo que é possível afirmar que todo criador é um grande dispensador de energia.

É de Ataíde, conforme dito, o teto da Igreja São Francisco de Assis, uma igreja que é considerada uma das “Sete maravilhas de origem portuguesa no mundo”. Essa igreja foi projetada por Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho), bem como a sua fachada (cheia de ícones de alto valor simbólico), mas o seu interior, em especial as pinturas, receberam o toque genial e peculiar de Ataíde, que era natural de Mariana, cidade vizinha a Ouro Preto e que foi a primeira capital mineira.

Como já fui duas vezes ao Vaticano e pude observar a Capela Cistina, posso afirmar que o trabalho de Ataíde é tão primoroso quanto o de Michelangelo. Ambos representaram Deus, Jesus, os anjos, mas de formas peculiares. Quanto a Ataíde, sobejam elementos brasileiros, como a influência africana, dando à imagem da Virgem feições negras. O mesmo se percebe nos anjos.

Ainda sobre as pinturas feitas por Mestre Ataíde na Igreja São Francisco de Assis, há três que podem ser consideradas polêmicas em alto grau: 1ª Jesus com uma representação feminina; 2ª um anjo com os seios de fora; e 3ª dois anjos se acariciando. Não é preciso detalhes para concluir que essas representações fogem ao ortodoxo, de modo que é possível cogitar que há muito do artista nas pinturas, seja uma mente além do tempo, seja uma mente extravagante. De todo modo, seria um perigo julgar a mente de Mestre Ataíde, mas, isto sim é possível e é preciso dizer, que o artista, mesmo retratando cenas consagradas, deu a sua criatividade.

O perigo do artista não é falar muito de si, até porque isso pode ser feito de inúmeras formas, mas o de se tornar superficial, artificial e um reprodutor. Superficial: não aprofunda temas e problemas; artificial: fala o que não lhe pertence; reprodutor: não traz nada novo.

Quanto a Aleijadinho, ele vem de uma forte tradição familiar artística, sendo que seu pai, um artista português, Manuel Francisco Lisboa, deixou diversos trabalhos em Ouro Preto, como a Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias e a Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Aleijadinho segue essa tradição, elevando-a ao extremo.

Tanto Aleijadinho quanto Ataíde compõem o chamado Barroco Mineiro. E o que seria o “Barroco”? Em linhas gerais: o horror ao vazio, uma arte que surge a partir da Contrarreforma e que trabalha intensamente com os sentidos (sinestesia). A Igreja Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto, no quesito Barroco, é considerada uma das maiores expressões artísticas brasileiras e mundiais. E por que do termo “mineiro” no Barroco? Porque esse foi um estilo com peculiaridades, se comparado com o Barroco Espanhol. A brasilidade não foi desprezada por parte de Ataíde e Aleijadinho. Mas, esses mesmos mestres também trabalharam no estilo Rococó, que tem por características: mais leveza se comparado ao Barroco em sua primeira fase, menos decorado, influência iluminista.

Fachada da Igreja São Francisco de Assis, que possui diversos elementos do Rococó (também considerado como terceira fase do Barroco). 

Já no que diz respeito a Aleijadinho, ele também deixou sua marca em tudo o que fez, mesmo quando lhe era encomendado algo tradicional. É o caso dos profetas de Congonhas, obra-prima de escultura, feita em padra sabão, das fachadas das igrejas e dos projetos arquitetônicos. A visão de fora da Igreja São Francisco de Assis é repleta de simbolismo, em que se contempla, a um só tempo, uma igreja preparada para a guerra, com a vista dos canhões, mas também preparada para a arte, com a vista de livros se abrindo. Porém, na medida em que o fiel se aproxima da igreja, o lado bélico desaparece e só fica o celestial.

Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, com os doze profetas na entrada. Patrimônio Cultural Mundial pela UNESCO.

Quanto mais se estuda as obras dos mestres, sejam eles de quais áreas forem, mais se descobre o poder criativo que eles manifestaram. Não custa dizer que Ataíde e Aleijadinho são artistas dos séculos XVIII e XIX, que receberam larga influência dos iluministas e dos inconfidentes mineiros. Aleijadinho, por exemplo, ia à biblioteca de Cláudio Manuel da Costa. Quem quer alimentar a vida intelectual deve tratá-la enquanto um rigoroso trabalho. Não há criação sem um profundo esforço. Isso é fácil de ver ao andar pelas ladeiras de Ouro Preto, que antes se chamava Vila Rica.

Andar pelas ruas íngremes de Ouro Preto é voltar ao passado, e também perceber que o presente não é tão distante assim em valores do passado. Se Ouro Preto chegou a ter uma população maior do que a de São Paulo e Nova York quando do auge da extração aurífera, também hoje, quando se descobre um lugar com esse minério, muitos para lá se deslocam. Vide o caso de Serra Pelada, no Pará, e vide tantos garimpos ilegais em Roraima, em Rondônia e mesmo em países vizinhos, como na Guiana Francesa.

Mina de Ouro “13 de Maio”, em Ouro Preto

É impossível em um único texto passar a limpo a história de um lugar tão rico quanto a de Vila Rica, que se tornou a segunda capital mineira, até o ano de 1890, quando passou a ser Belo Horizonte. Porém, esse texto é um convite para que museus sejam visitados, pois eles dizem muito sobre o passado, o presente e o futuro. Uma simples prova é que expressões como “olha o passarinho”, “vigarista”, “pé rapado”, “meia tigela”, “bucho cheio” e “santinho do pau oco”, que têm referências em Minas Gerais, considerada terra dos ditados populares, até hoje são comumente ditas.

         Otto Maria Carpeaux. O Barroco e o Classicismo por Carpeaux. Rio de Janeiro: Leya, 2012.

Quem quiser contratar serviço de guia em Ouro Preto e Mariana, segue a indicação:

Lucas Leocadio

@lucasguiavoce

(31)99521-6545

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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