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Escreva duzentos artigos, publique vinte


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 24/07/2025
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           Eu costumo dizer que pago para não escrever artigos acadêmicos. Apesar disso, estou sempre envolvido com esse tipo de trabalho, seja por causa de orientandos, seja por causa de convites de amigos para publicar. Mas, eu sei de muita gente que paga para escrever esse tipo de texto, até no sentido literal de desembolsar dinheiro. Com tais ideias estou a menosprezar o trabalho científico? Não, só que gosto de dizer as coisas de outras formas, não tanto pela dissertação acadêmica, cheia de normas e citações, só isso.

          Outra questão que me incomoda é o produtivismo acadêmico. Com raríssimas exceções, de pessoas que são verdadeiras forças da natureza, ver currículos com duzentos, trezentos, quatrocentos artigos, geralmente me espanta. Será que tudo que a pessoa faz é digno de publicar? Nesse cenário lembro-me do conselho de Mário Quintana a Charles Kiefer (2000, p. 57), quando este lhe deu um exemplar do seu primeiro livro, chamado “Os lírios do vale”: “- Meu filho – ele disse, depois de um olhar desolado sobre meu livro, que ele trouxera consigo e que agora repousava sobre as suas pernas -, escreva 200 poemas... Tirou a fumaça do nariz, olhou uma eternidade para os transeuntes e depois me encarou: - ... e publique 20.”

          Eu sei que corro o risco de ser impertinente e moralista, mas a muita publicação, para além da competência, não deixa de ter, também, um ar de vaidade. Há pessoas que não suportam deixar o currículo quieto por uma semana, querem atualizá-lo só para dizer: “há um currículo mais bonito que o meu?” E nessa brincadeira que a muitos prejudica, criada tanto por órgãos estatais e internacionais quanto pelos próprios acadêmicos, a qualidade e a tranquilidade podem se esvair.

Dói ver excelentes artigos serem desmantelados, transformados forçosamente em dois ou três só para servirem aos números de determinada estrutura. Dói ver excelentes trabalhos serem despejados em quaisquer lugares só por causa de um currículo maior.

Todavia, que tal se aplicássemos o conselho de Quintana à academia? Escrever duzentos artigos, mas publicar vinte.

Charles Kiefer. Para ser escritor. São Paulo: Leya, 2010.

 

 

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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