Ensino de história e pluralidade
É incrível estudar história antiga sob o viés dos versos de Homero e Vergílio. Mais do que incrível, é imprescindível. Da mesma forma, é incrível estudar história medieval sob a ótica de Dante e de Boccacio, da mesma forma que o é estudar o início da modernidade a partir de Shakespeare e Cervantes.
Em matéria de Brasil, história do Brasil Colônia não é a mesma coisa se os sermões de Vieira não forem lidos, assim como Brasil Império sem José de Alencar e Machado de Assis, e Brasil República sem Euclides da Cunha e Guimarães Rosa.
Os exemplos acima ficaram mais voltados ao campo da literatura, mas, como afirma o historiador Hilário Franco Jr. ao comentar a escrita em versos de Dante: “(...) ele foi poeta, filósofo, teólogo, pensador político, filólogo, cronista ou alquimista? Questão supérflua e na realidade simples de responder, pois para ele a Verdade é uma e se funde toda na poesia” (FRANCO JR., 2000, p. 13). Por extensão, não é porque a história é ficcional ou em versos que não tenha objetividade e valor científico. A ciência não é o polo antagônico da poesia, nem agora e nem outrora.
A função do professor de História (e não só desta disciplina), seja ele da educação básica ou do ensino superior, é o de levar ao estudante a pluralidade do conhecimento. Quanto mais olhares forem lançados sobre um mesmo objeto, mais crítico e rico é o olhar da pessoa sobre a própria vida.
É triste quando alguns professores de História, sob a pretensa, porém errônea interpretação de Marx, a tudo olham sob o viés econômico e economicista. Econômico na medida em que as relações de produção se tornam o único olhar digno de atenção, e economicista porque a sociedade se torna uma máquina que só gira a partir do capital, um caso de sociedade mecanicista. É possível dizer que esse tipo de ensino, ao fim e ao cabo, acaba por tornar também as pessoas mecânicas.
Agora que se imagine uma graduação em História que não passe perto de Platão porque ele é um filósofo, que não leia Dante porque é poesia e que despreze a História Cultural porque esta enxerga além da economia. Não é difícil imaginar o quão pobres podem se tornar o ensino e os alunos, e, tragicamente, estes se tornam professores e a reprodução de certos paradigmas é pouco questionada.
O que é a ciência? Difícil dar uma definição cabal a respeito, mas ela sem dúvida envolve a pluralidade e também o erro. Pluralidade porque todo ponto de vista é a vista de um ponto (o que não se confunde com relativismo). Erro porque tudo é possível de ser tragado e modificado pela própria história. A ciência só evolui a partir de erros e acertos em uma dialética sem síntese, isto é, erros e acertos sempre existirão ao longo do tempo.
Um último questionamento: se no curso de História Vergílio e Cervantes não forem folheados, onde mais eles serão lidos? No curso de Letras? Provavelmente, mas também em História tais leituras são um dever.
Hilário Franco Jr. Dante: o poeta do absoluto. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.