Eddington


Pedro Pascal está de volta aos cinemas, não há dúvidas de que ele se tornou o queridinho de Hollywood nesse ano de 2026, já perdi as contas de quantas vezes citei o nome dele aqui na Coluna. Porém o mais interessante é como ele é versátil ao trabalhar com diretores tão diferentes e que entregam trabalhos tão opostos. Dessa vez ele se aventurou com Ari Aster, um diretor que é famoso por seus filmes de terror e drama que são tão bizarros quanto aclamados. Confesso que ainda estou digerindo essa sua nova obra, Eddington. Sabe aquele tipo de filme que termina e te deixa meio sem saber se gostou, se odiou ou se só precisa de um café forte para entender o que acabou de ver? Pois é. Aster, o diretor que muita gente associa automaticamente ao terror psicológico de Hereditário (aquele da cabeça) e ao pesadelo florido de Midsommar, resolveu dar um passo ousado e, talvez, o mais estranho de sua carreira até agora.
Em Eddington, Aster mira menos o sobrenatural e mais o social. O terror aqui não vem de demônios ou seitas, mas do nosso próprio reflexo digital. É uma sátira feroz e, ao mesmo tempo, triste sobre a América da pandemia, quando o isolamento físico não conseguiu conter o contágio da paranoia coletiva.
A história se passa em uma pequena cidade do Novo México, dessas que parecem esquecidas no mapa, mas onde a política local ferve como se fosse o centro do mundo. O prefeito Ted Garcia, interpretado por Pedro Pascal, um homem carismático e calculista, tenta aprovar a construção de um enorme centro de dados na cidade. Do outro lado, o xerife Joe Cross, papel de Joaquin Phoenix, um sujeito raivoso, confuso e cheio de mágoas, decide concorrer à prefeitura, movido mais por rancor do que por ideologia. A esposa dele, Louise, interpretada por Emma Stone, e a sogra conspiracionista completam o caldo de insanidade doméstica.
O resultado é uma disputa política que se transforma em um espelho distorcido do nosso tempo. Aster usa a pandemia de Covid-19 e o movimento Black Lives Matter como pano de fundo, mas o que realmente o interessa é a forma como as pessoas se comportam quando acreditam estar sendo observadas. Cada diálogo, cada briga, cada discurso parece ter sido ensaiado para uma câmera de celular e, de fato, quase sempre há uma ligada. Aster tentar impor ao filme ares de um faroeste moderno. Só que, no lugar dos revólveres, temos smartphones. Quando dois inimigos se enfrentam, o gesto de sacar o celular e começar a gravar substitui o duelo clássico. A paisagem árida do Novo México reforça esse sentimento de isolamento: é o velho oeste da era digital, onde cada curtida vale mais que um aperto de mão.
O xerife Joe é uma das figuras mais trágicas e ridículas do filme e o diretor parece se divertir com isso. Phoenix dá ao personagem uma mistura desconfortável de fúria, fragilidade e comicidade involuntária. Há uma cena impagável em que ele pega o celular de um manifestante no impulso e, no segundo seguinte, percebe que acabou de cavar sua própria cova pública. É o tipo de humor que nasce do constrangimento e que tem, cada vez mais, se tornado a marca pública de alguns políticos em vários cantos do mundo.
Por outro lado, Pedro Pascal, como o prefeito Ted Garcia, oferece o contraponto perfeito. É o político que sabe sorrir na hora certa e dizer o que o público quer ouvir, mesmo que precise ignorar a ciência que diz defender. Aster não simplifica ninguém: seu “progressista” é tão hipócrita quanto o conservador, e o espectro político vira uma arena de egos e hashtags.
Essa é, aliás, uma das grandes forças do filme. Eddington entende que, hoje, política e performance são quase sinônimos. Todo mundo quer estar certo, bonito e viralizável. A militância vira espetáculo, e o ativismo, um figurino. Aster brinca com isso com ironia e crueldade. Mas nem tudo funciona. Lá pelo terço final, quando a tensão entre os personagens atinge o limite, Aster perde um pouco da sutileza. A sátira dá lugar à violência, e o filme parece se entregar ao caos que tanto critica. Bem por isso o resultado é muito impactante, mas menos significativo do que poderia ser.
Ainda assim, há algo de fascinante nesse colapso. Talvez Aster esteja justamente dizendo que não há mais saída coerente para o mundo que construímos. Depois de tanto ruído, tanta desinformação e tanta briga por “narrativa”, só resta o vazio e a câmera ainda gravando.
Por que ver esse filme? No fim das contas, Eddington é uma obra imperfeita, mas necessária e por isso deve ser visto. Um retrato grotesco e dolorosamente real da sociedade performática em que vivemos. É um filme que provoca desconforto e riso, que mistura o trágico e o banal com a mesma naturalidade com que rolamos a timeline de um feed. Aster pode até não encontrar respostas, mas faz as perguntas certas: o que resta de humanidade quando todos estão preocupados em parecer humanos? Até onde vai a encenação e onde começa o real?
Talvez seja por isso que Eddington seja um filme tão difícil de digerir. Há quem o veja como uma crítica brilhante, há quem o acuse de pretensão. Sentimentos opostos que ilustram bem a realidade do momento em que vivemos e que deixa, ao final do filme, essa estranha sensação de que, de alguma forma, o diretor filmou o nosso tempo com um espelho sujo, de forma que a sujeira é justamente o que o torna tão verdadeiro. Boa sessão!

