Conhecimento e mundo atual
Jornada de Trabalho 24/7
Por Renato Nunes Bittencourt*
A confusão entre a dimensão profissional e a dimensão doméstica, graças ao monitoramento onipresente dos aplicativos e do poder absoluto das tecnologias de informação deixam o trabalhador em estado de mobilização permanente, tal como uma situação de guerra continuada sem descanso nem relaxamento. O malfadado trabalho remoto traz para o espaço da casa as urgências aceleradas da ótima performance, suprimindo assim o distanciamento simbólico entre o âmbito privado e o âmbito profissional.
Mesmo o deslocamento para o local de trabalho apresenta um traço saudável para o metabolismo humano quando ocorre em situações tranquilas, assim como a inevitável sociabilidade organizacional em um ambiente acolhedor é sempre um estímulo para a solidariedade profissional. O trabalho remoto não permite desconexão real em relação ao labor, todo tempo livre deve ser dedicado para otimizar resultados bastante agradáveis para o topo da pirâmide executiva. Estado de Exceção do trabalho gerenciado tecnocraticamente.
Diante de qualquer demanda apresentada pela empresa, o trabalhador deve responder imediatamente, em um ritmo acelerado de existência que embota sua percepção da realidade e fá-lo naturalizar essa submissão imediatista controlada pelos aparelhos e aplicativos informacionais. Com efeito, a ideologia gerencial enaltece a personalidade proativa que sempre está ao dispor e age de prontidão a qualquer instante e que assim aceita permanecer controlado digitalmente, talvez para evitar a má consciência de um nada-fazer em tempo livre.
Toda situação atípica que venha a afetar o sucesso do “empreendedor de si” é considerada como falha desse sujeito de desempenho por sua pretensa incapacidade de se antecipar aos riscos, todo fracasso é sempre culpa exclusiva desse miserável-laborativo pois ele não se engajou suficiente na luta pelo sucesso profissional. Eis a inoculação do veneno da positividade tóxica no desempenho profissional, o dever funcional acima de tudo onde se marcha para o colapso vital com galhardia.
O adoecimento do trabalhador, mal remunerado, globalmente desprotegido, é a consequência imediata desse dispositivo necrófilo, pois o imperativo neoliberal não reconhece a dignidade da pessoa humana do trabalhador, mas antes o enxerga como uma coisa utilitária, mero instrumento para proporcionar a manutenção do sistema capitalista, sempre em nome da apregoada liberdade criativa do espírito neoliberal, Dormir 6 horas por dia é um requinte indisponível para a grande maioria da massa laboral. Preguiça é o pecado mortal por excelência na moral neoliberal, e para quem não consegue se manter constantemente ativo o recurso aos estimulantes é a solução para que se possa perseverar na labuta funcionalizada. A medicalização é contínua para que o sujeito de desempenho consiga turbinar a sua capacidade laboral e para que se cure o organismo do excesso de atividade profissional que estressa a estrutura psicofísica, em um ciclo vicioso que no fundo é bastante pertinente para as múltiplas segmentações do Capital-Moloch. O culto da performance que se caracteriza pela negação radical de toda impotência exige que os aditivos tonifiquem a capacidade orgânica do sujeito de desempenho.