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A superfluidade da vida no Brasil da pandemia


Por: Josimar Priori
Data: 15/03/2021
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O Brasil é um país letal. No momento que escrevo este texto, são 278.327 mortes confirmadas por Covid19 no Brasil. É como se toda a população de Nova Esperança tivesse morrido dez vezes. Três vezes a população de Paranavaí. Dois terços dos habitantes de Maringá. Diante do colapso do sistema de saúde, com pessoas morrendo dentro das ambulâncias, esperando por leito em UTI, sem balão de oxigênio, reverberem as decisões políticas que abriram os caminhos para a expansão do coronavírus e pavimentaram os caminhos dos cemitérios.

A teórica política Hannah Arendt afirmou nos livros As Origens do Totalitarismo que os campos de concentração nazista foram aparelhos especializados em tornar “os homens supérfluos”. Parece que algo semelhante pode ser dito sobre o Brasil atual. A crise de Covid19 mostra como a vida é supérflua neste país. Verdade seja dita, não é de agora que é assim. Nossa história foi escrita com o sangue dos indígenas e dos negros escravizados. O massacre contra as revoltas separatistas, o genocídio que foi a Guerra do Paraguai e as torturas e execuções nos porões das ditaduras Vargas e Civil-militar também são exemplos de violência e morte.

Mesmo a redemocratização iniciada em 1985 não interrompeu esse fluxo. A desigualdade social cresceu ainda mais, a vida nas periferias é dura e o país mantém média anual acima de 50 mil homicídios. Negros, mulheres e LGBTQI+ denunciam todos os dias o quão agressivo é este país. Cortes de direitos sociais, eliminação de direitos trabalhistas e previdenciários e a incapacidade do SUS em atender toda a população também são formas pelas quais muitos brasileiros foram e são mortos.

A história brasileira, de fato, revela uma incrível banalização da vida humana. As formas como a pandemia de Covid19 têm sido administradas no Brasil, porém, apresentam um terrível aprofundamento da transformação de seres humanos em objetos descartáveis. As demais formas de morte mencionadas, ainda que injustificáveis, geravam uma vantagem àqueles que a realizavam. Não é o caso, porém, do descaso puro e simples contra a vida demonstrado por importantes lideranças políticas e econômicas do país e que tem sido seguido por expressivo segmento populacional.

Medidas muito simples como usar a máscara corretamente, ser rigoroso no uso do álcool em geral, higienizar as compras dos supermercados e realizar o distanciamento social são barreiras que comprovadamente evitam a propagação do vírus. No entanto, aglomerações de torcida de futebol, festas, praias, bares, restaurantes e comércio lotados, o desprezo pela proteção do rosto e despreocupação com a possiblidade de transmitir o vírus para os demais foram, com as bênçãos e estímulos do próprio presidente, a rotina no país.  

A propósito, ele disse, entre outros despautérios, que “todos nós iremos morrer um dia”, que precisamos deixar de “frescura” e que devemos enfrentar a pandemia de “peito aberto”. De fato, tais posicionamentos revelam mais que uma insensibilidade, uma despreocupação completa com a existência humana. Ora, se todos vamos morrer, para que proteger a vida? Para que cuidar das crianças, dos idosos, dos deficientes, das mulheres? Aliás, que sentido tem a vida sob tais termos? Trata-se, na realidade, de uma transformação da existência em algo completamente desprezível e ocasional em que há sobreviventes, mas não uma comunidade que cuida da saúde com rigor para que tenhamos dignidade, bem-estar e plenitude.

É impossível recuar no tempo e evitar a perda de centenas de milhares de brasileiros. Podemos, no entanto, construir algo novo a partir daqui. Evitar todo o contato social possível é fundamental, mas ainda mais necessário é cobrar enfaticamente que as autoridades políticas assumam as responsabilidades que são suas. Regulamentar, incentivar e, se for preciso, impor o distanciamento físico é medida fundamental, assim como é também aprovar um auxílio emergencial decente para que a população pobre deste país não seja obrigada a sair de casa para procurar a sua sobrevivência.  Construir tantos hospitais de campanha quanto forem necessários e fortalecer o SUS são, igualmente, medidas urgentes e fundamentais para todos aqueles para quem a vida humana não é supérflua.

Josimar Priori

Josimar Priori


Anuncie com Jornal Noroeste
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