A má-fé por trás dos donativos vencidos no Rodeio: “o homem é o lobo do homem”, já dizia Hobbes
Durante os três dias do Nova Esperança Rodeio 2025, mais de 12 mil quilos de alimentos foram arrecadados com a nobre intenção de ajudar famílias carentes do município. Um gesto que, à primeira vista, parecia traduzir o melhor do espírito humano: a solidariedade. No entanto, a descoberta de que mais de 600 quilos desses alimentos estavam com o prazo de validade vencido expôs uma ferida moral que vai muito além de uma simples falha logística. Trata-se de uma atitude inaceitável que desnuda o lado perverso de quem se aproveita da boa-fé coletiva para praticar um ato abjeto.
Há quem diga que “o homem é o lobo do próprio homem”, como afirmou o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679). E nunca essa sentença pareceu tão atual. Quando indivíduos escolhem lucrar com alimentos vencidos, entregues como se fossem donativos, revelam um desprezo alarmante pela vida do outro. É o egoísmo travestido de caridade. A ganância travestida de colaboração. É a barbárie escondida sob a capa da festa e do bem.
Pior do que o crime contra as relações de consumo, que a Polícia Civil agora investiga, é o atentado ético, moral e espiritual. Afinal, como confiar na mão que estende o pão, se esse mesmo pão está contaminado por indiferença e malícia? Como acreditar em um gesto de compaixão, se o que se doa pode causar dano à saúde de quem mais precisa?
A Bíblia Sagrada nos adverte: “Maldito o homem que confia no homem” (Jeremias 17:5). É uma advertência dura, mas que convida à vigilância. Não porque devamos viver desconfiados uns dos outros, mas porque é preciso discernimento entre o justo e o farsante, entre o solidário e o oportunista, entre o humano e o lobo disfarçado.
A atitude de quem comercializou alimentos vencidos não pode ser relativizada ou suavizada. Trata-se de um golpe contra a própria ideia de solidariedade. Se já é cruel negar o pão a quem tem fome, o que dizer de oferecer um pão que pode envenenar? A traição aqui não é apenas legal, é moral. E é exatamente por isso que ações como a da Administração Municipal, que prontamente denunciou o ocorrido e orientou a população, precisam ser valorizadas. Do mesmo modo, merece aplausos o trabalho dedicado das equipes da Assistência Social e do Provopar, que seguem firmes no propósito de ajudar quem mais precisa.
No entanto, é preciso ir além do lamento. É necessário criar mecanismos que previnam, que fiscalizem, que punam com rigor quem ousa transformar a fome em negócio. Que o inquérito policial siga seu curso e que a verdade venha à tona. E que, mais do que nunca, sejamos criteriosos ao doar e ao comprar.
Que a solidariedade verdadeira não seja manchada pela ação dos maus. Porque o que não queremos para nós, não devemos, jamais, oferecer ao nosso semelhante — muito menos em forma de veneno disfarçado de alimento.