“O meu inferno são os outros” – um diálogo entre dois professores num ensaio filosófico
Produzido por: Sônia Mazur e Vaudenir Pereira Dias

Iniciamos nossa reflexão acalentada pelo espirito filosófico e pela arte de pensar a vida como ela de fato é e rompendo com as estruturas tautológicas que imprimem em nós atitudes viciantes na condição ontológica de ser social apeteceu pela produção desse ensaio. Sob esse olhar, a imanência do ser social ou no âmago da sua própria existência o homem carece da participação coletiva para o reconhecimento enquanto ser antropológico e por isso é visto como ser gregário. Nesse ciclo de convivência, o homem carrega marcas indeléveis, que podem ser traumáticas, recortada pela realidade em que vive, quase sempre tributa o seu fracasso a outra entidade. Por essa razão, paira sobre nós essa reflexão: “o inferno são os outros", esta famosa frase de Jean-Paul Sartre, ecoa através dos tempos, ressoando como uma verdade incômoda sobre a natureza humana. Mais do que uma simples constatação, essa sentença se revela como uma profunda reflexão sobre a complexidade das relações interpessoais e o impacto que exercemos uns sobre os outros.
O eminente pensador Sartre, em sua peça "Entre Quatro Paredes", nos apresenta um cenário claustrofóbico onde três personagens, cada um com seus próprios pecados e tormentos, são condenados a viver juntos em um quarto fechado. Muitas vezes não estamos presos a um cenário de claustrofobia, mas sentimo-nos aprisionados a idéias e sentimentos que nos condena a viver um inferno em vida. Nem sempre o nosso inferno é o outro, isso vai depender do nosso olhar sobre ele e até que ponto a nossa convivência segue os preceitos de uma boa relação interpessoal.
Em nossa doxa ou simples opinião, o olhar do outro deveria ser um espelho para a nossa própria existência, não obstante, muitas vezes se transforma em um instrumento de tortura. A necessidade de aprovação, o medo da rejeição e a constante comparação nos aprisionam em um ciclo de ansiedade e insegurança. Diante dessa fragilidade, buscamos incessantemente a validação externa, moldando nossas ações e desejos de acordo com o que acreditamos que os outros esperam de nós. Atualmente vivemos em uma sociedade onde a presença do outro pode ser torturante uma vez que pouco ou quase nada conhecemos daqueles que nos rodeiam. Daquele que muito esperamos nada obtemos e daquele de que nada se espera é quem nos surpreende com ações de grandeza e solidariedade. As relações interpessoais são marcadas pelo medo e a incerteza, pois não vemos no outro a confiança de uma boa convivência. Somos marcados por contra valores onde o mal prevalece sobre o bem e dessa forma, naturalizado pela sociedade.
Para além da condenação e da desesperança, a frase de Sartre nos oferece um caminho para a redenção. Ao reconhecermos o nosso papel na criação desse inferno interpessoal, podemos começar a construir relações mais saudáveis e compassivas. A empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, é a chave para desarmar o inferno. Ao compreendermos as dores e os medos que afligem aqueles que nos cercam, podemos oferecer apoio e compreensão em vez de julgamento e condenação.
A busca por autenticidade, a coragem de ser quem realmente somos também é fundamental para libertar-nos do inferno. Ao nos libertarmos da necessidade de agradar e da busca por aprovação, podemos construir relações mais verdadeiras e significativas. A aceitação da nossa própria imperfeição e a compreensão de que somos todos falíveis nos permite aceitar e amar os outros como são. Essa aceitação exige humildade, um valor que poucos desenvolvem, pois muitas vezes somos incapazes de refletir sobre a nossa prática e vivemos na ilusão de que somos maiores do que realmente somos. Somente uma ação reflexiva sobre a prática permite que nos vejamos como realmente somos tornando a nossa relação com o outro cada vez melhor.
Cabe inferir, que o legado deixado por Sartre “O inferno são os outros” não é, portanto, um veredicto final, mas sim um convite à reflexão e à transformação. O inferno não é um destino inevitável, mas sim uma escolha que fazemos a cada interação, a cada palavra e a cada olhar. Ao cultivarmos a empatia, a compaixão e a autenticidade, podemos transformar o inferno em um lugar de encontro, de crescimento e de amor, fazendo desse inferno a nossa redenção prefigurando no outro o nosso paraíso.
Sônia Mazur e Vaudenir Pereira Dias são professores no Colégio Estadual Costa Monteiro de Nova Esperança PR.