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O CIENTISTA E O “PAÍS DAS FANTASIAS E DA IMAGINAÇÃO”


Por: Especial para JN
Data: 23/02/2024
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Jan Carlos Berto Santos

Formação em Ciências Biológicas (UNIPAR) e em Química (IFPR campus Paranavaí). Especialização em Gestão Escolar e em Educação Inclusiva. Atualmente está cursando mestrado em Educação para a Ciência e a Matemática na UEM, e é professor de laboratório de Ciências da Natureza no colégio Marista de Maringá.

Nos oito últimos anos tenho me dedicado à profissão de professor com atuação nas disciplinas de Ciências da Natureza, o que me faz concordar com as ideias de Chassot (1994) em considerar o conhecimento sobre essas ciências como uma grande aventura intelectual. Minha trajetória profissional pode ser caracterizada por um movimento constante de (re)construção e (des)construção identitária, pois, nessa profissão, a partir da vivência com os meus alunos, aprendi que posso ter múltiplas identidades, e assim viajar pelo “país das fantasias e da imaginação” proporcionado pelos conhecimentos científicos nos processos de ensino e aprendizagem, a partir do que considero ser um processo criativo de ampliação e modificação do meu eu, desenvolvido a partir da relação com cada aluno a cada novo dia de atuação. Nesse processo, muitas vezes me pego a pensar sobre a seguinte questão: como os alunos me veem?

Fotos: Divulgação

Primeiramente, considero pertinente a busca pela compreensão do significado de “identidade”, pois segundo as ideias de Luna e Baptista (2001) identidade pode ser entendida a partir (1) do que está em nós, isto é, da nossa autoimagem e da forma como nos percebemos; (2) de como as outras pessoas nos percebem e (3) da nossa relação com os outros, o que percebemos sobre o que os outros percebem a nosso respeito. Neste sentido, nos meus primeiros passos em atuação como professor no Processo Seletivo Simplificado (PSS) pensava que poderia “mudar o mundo”, mas com o tempo, compreendi que se conseguisse mudar a visão de mundo de um, dois ou três alunos, seria gratificante. Nesse período, poderia descrever minha autoimagem como “apenas mais um professor de Ciências”, no entanto, a partir da minha relação com os alunos, poderia considerar-me um “bom professor”, como eles mesmos me diziam: “professor! suas aulas são muito legais”, “suas aulas são diferenciadas”, “você é o melhor professor que já tive” ou “aprendo muito com as suas aulas”.

Quando pensava que o “Ser Professor”, me colocaria no decorrer dos anos, em atuação em turmas específicas, nos limites de uma sala de aula, isto é, o ambiente tradicional com o kit “quadro, cuspe e giz” e mesas enfileiradas, ao qual estamos acostumados, seja na rede básica de ensino ou no ensino superior, o destino me apresentou uma nova possibilidade de ser professor, isto é, um professor de laboratórios didáticos de Ciências da Natureza, na qual atendo desde turmas da Educação Infantil aos alunos do Ensino Médio.

Neste ambiente, são desenvolvidas diversas aulas a partir de atividades experimentais, possibilitando momentos em que a teoria e a prática se entrelaçam, consistindo em trocas de conhecimentos, diálogos e uma riqueza de possibilidades nos processos de ensino e aprendizagem. Assim, de “professor de Ciências” passei a ser visto e reconhecido como “Jan, o cientista”. Ao refletir sobre a minha atuação no laboratório, lembro-me de uma atividade sobre preparação de meios de cultura para cultivo de microrganismos, em que percebia o olhar atento dos alunos sobre meus gestos e fala, até o momento em que me questionaram: “Jan, você é youtuber?”. Certa vez, estava explanando para os alunos as características básicas dos poríferos (esponja do mar), equinodermos (estrela-do-mar) e moluscos, quando me surpreendi com o seguinte questionamento: “Jan, quando que você foi conhecer o Bob Esponja, o Patrick Estrela e o Lula Molusco?”, foi neste momento que compreendi ainda mais a importância da imaginação no ambiente escolar.

Desde o início de minha atuação nesse laboratório no ano de 2019 até os dias atuais, sou surpreendido durante ou ao final de cada aula/atividade, com olhares atentos, curiosos, afetuosos acompanhados de falas ou gestos de gratidão. Quando os alunos me encontram em locais públicos, como supermercados, feiras, parques ou shoppings, o susto e a mão na boca são inevitáveis, acompanhado da frase: “esse é o cientista do laboratório”, como se para eles fossem uma grande surpresa eu estar nesses locais ditos comuns. Em outros momentos, mesmo quando me avistam de longe, percebo que apontam o dedo indicador em direção a mim, apresentando-me aos seus familiares, além disso, vão logo no dia seguinte até o laboratório informar que me viram.

Em determinado dia, sob um olhar de curiosidade, direcionaram a mim a seguinte pergunta: “Jan, onde fica o seu quarto, aqui dentro do laboratório?”, foi então que passei a refletir sobre qual imagem, de fato, teriam esses alunos sobre mim. Seria de um super-herói fardado com seu jaleco, para que junto de seus alunos possa explorar os conhecimentos das Ciências e, assim, “salvar o mundo”?

Lembro-me, ainda, que o assunto “a forma como os alunos me veem” veio à tona em uma reunião com a equipe de direção e coordenação do colégio, momento em que pude ouvir as seguintes falas: “é impressionante como os alunos olham pra ele (Jan)”, “o que ele (Jan) fala parece lei”, “eles (alunos) chegam em casa falando do Jan, da aula do Jan, e os pais querem saber quem é esse cientista do colégio que tanto as crianças chegam em casa falando”, “eles (os alunos) te olham como se você (Jan) fosse um ser de outro planeta”. A partir dessas falas, eu passei a avaliar minha autoimagem, não mais como “apenas mais um professor de Ciências”, mas sim, como “o número um”, pelo menos para os meus alunos.         

Curiosamente, em alguns momentos ao final de cada expediente, passei a ir embora para casa, por um portão sem acesso dos alunos, localizado nos fundos do colégio, não na intenção de manter estereotipada a imagem do cientista “homem, sério e de jaleco”, distanciando a Ciência da realidade cotidiana dos alunos, mas sim, na intensão de manter “viva” e aguçada a imaginação, a fantasia e a curiosidade de cada aluno sobre mim, e sobre os conhecimentos científicos em nossas vidas, como uma espécie de “Chaves, que entra em seu barril e encontra a casa número 8”, mas sem deixar de passar as suas mensagens de importância social, ou mesmo aquela curiosidade típica de uma criança de meados da década de 1980 e 1990 sobre “Xuxa, quando saía de cena em sua nave espacial”, entrelaçando fantasia e realidade.

Neste contexto, em relação à minha atuação enquanto professor de laboratório didático de Ciências da Natureza, já presenciei alguns professores argumentando com os alunos, a seguinte frase: “pessoal, agora o Jan fechou seu laboratório/sua casa, porque está preparando novas experiências para amanhã”. Como se ao invés de ir embora para casa e realizar atividades comuns, cotidianas, como tomar banho, jantar, escovar os dentes e dormir, meu caminho fosse uma espécie de “Portal Mágico e Científico”, local este imaginado a partir das ideias dos alunos e reforçado pelos demais colegas de trabalho com suas falas.

Geralmente, os alunos da educação infantil e fundamental anos iniciais, me retratam através de desenhos, me retribuem com abraços e acenam com a mão quando me veem, assim, penso que naturalmente as crianças menores são mais espontâneas e não se envergonham em demonstrar afeto, o que pude perceber após postagem de uma foto nas redes sociais acerca da minha atuação no laboratório, em que uma mãe de aluno escreveu a seguinte mensagem: “meu filho ama esse cientista, e se ele ama nós também amamos”. Além disso, carinhosamente uma família alterou o horário de sua viagem agendada para o período da manhã e transferida para a noite, após seu filho dizer que: “não poderia faltar na aula do cientista Jan”.

 Além disso, destaco um dentre os muitos desafios cotidianos de um professor, que diz respeito aos processos de inclusão com alunos que apresentam alguma deficiência, no entanto, mais uma vez me sinto surpreso e privilegiado quando escuto frases do tipo: “impressionante como você (Jan) consegue entrar no mundinho dele(a) sem dificuldade”, “nossa! ele(a) participou da sua aula, fazendo o que não faz em sala, parabéns”.

Também me surpreendo quando os alunos do fundamental (anos finais) e médio em diferentes situações, seja durante as aulas, nos intervalos, nos locais públicos ou em redes sociais, se direcionam a mim com falas, escritas e gestos de gratidão ou em momentos como, por exemplo, quando me “acionam” para salvar um passarinho que caiu do ninho, ou quando me levam qualquer partes de plantas, conchas ou insetos encontrados em suas casas e/ou viagens, me fazendo pensar sobre a minha responsabilidade enquanto profissional acerca da importância de poder colaborar com a mudança da visão de mundo de um, dois, três ou alguns indivíduos, através de minha atuação nas disciplinas de Ciências da Natureza.

Mediante diversos acontecimentos ao longo de minha trajetória profissional, que modificaram e modificam o meu eu enquanto ser humano (e alguns destes momentos expostos aqui), penso que “a forma como os alunos me veem” se deve a partir da união entre a minha personalidade, a dedicação diária com a minha profissão e a curiosidade aguçada dos alunos sobre as Ciências, aliadas com algo a mais que por ora não saberia explicar, mas que desenvolve em mim, um constante sentimento de gratidão e de motivação para que a cada dia eu possa ser um profissional melhor.


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