Férias: por que o descanso das crianças começa pelos adultos
Em uma era marcada pelo excesso de telas, estímulos e agendas cheias, especialistas lembram que as férias deveriam devolver às crianças um direito essencial: o da pausa
Em muitas famílias, as férias têm se transformado em uma versão estendida da rotina acelerada: passeios em sequência, estímulos por todos os lados, telas sempre por perto e uma sensação constante de “fazer mais”. Mas, para a psicóloga e educadora Vanessa Miranda, especialista em aprendizagem investigativa e desenvolvimento infantil, esse período deveria cumprir outra função — talvez a mais importante de todas: permitir que as crianças descansem de verdade.
“Antes de esperar que as crianças desacelerem, precisamos revisar nosso próprio ritmo”, afirma.
Mas há um ponto que raramente é dito em voz alta: as férias também podem ser estressantes. Viagens longas, museus com hora para entrar e para sair, praias lotadas, filas intermináveis, trânsito, aeroportos cheios. Muitas vezes, a rotina de lazer se torna tão rígida quanto a escolar — só muda o cenário.
E, embora seja absolutamente compreensível que muitas famílias só consigam viajar nessa época do ano, é importante fazer uma pergunta simples: do que as crianças realmente precisam para descansar? Talvez seja hora de repensar o que chamamos de “férias de verdade”.
Existe ainda uma questão que atravessa a maioria das famílias: como lidar com as férias das crianças quando nós, os pais, não estamos de férias? A rotina de trabalho continua, as demandas não diminuem, o cansaço segue o mesmo — e, mesmo assim, a infância precisa de presença, acolhimento e tempo de qualidade.
Vanessa explica que não se trata de estar disponível o dia inteiro, mas de criar pequenos rituais de conexão, mesmo dentro de uma rotina apertada: um café da manhã sem pressa, uma conversa antes de dormir, dez minutos de brincadeira genuína, um passeio curto ao fim da tarde. Gestos pequenos, porém consistentes, comunicam à criança algo essencial: “mesmo com pouco tempo, eu estou aqui com você”. “Presença não é quantidade — é intenção”, reforça.
Segundo ela, é comum que os adultos carreguem listas idealizadas para o recesso — que os filhos leiam mais, brinquem longe das telas, desenvolvam foco ou sejam mais organizados. Mas transformar essas expectativas em realidade é cada vez mais difícil em um ambiente saturado de estímulos digitais e demandas constantes.
O convite ao brincar começa pelo adulto
Para a especialista, impor comandos como “vá ler” ou “desligue o celular” costuma surtir menos efeito do que demonstrar o comportamento desejado. É o adulto que acende a fagulha da conexão.
Desenhar com giz no chão, montar uma amarelinha, pular corda, caminhar pela rua, brincar com o cachorro ou até provocar um ataque surpresa com uma arma de água são convites naturais ao brincar — e resgatam uma simplicidade que marcou a infância de muitas gerações.
Jogos clássicos como dominó, UNO e dama também ajudam a desenvolver convivência, turnos e tolerância à frustração. E momentos de contemplação — deitar na grama, observar nuvens, sentir o vento — reforçam a ideia de que conexão não depende de grandes produções.
Pausa também é aprendizado
Para Vanessa, férias não precisam ser preenchidas com uma programação intensa. Pelo contrário: períodos de ócio criativo são essenciais para o desenvolvimento emocional e neurológico. “Quando foi a última vez que você parou?”, provoca.
Estar presente consigo mesmo, ela explica, é pré-requisito para estar presente com uma criança. Atividades simples — decorar alimentos, tentar fazer uma estrelinha no chão, dançar sem regras, brincar livremente — devolvem ao corpo a alegria do movimento e reduzem a pressão por desempenho que acompanha os pequenos ao longo do ano escolar. “Não se trata de fazer tudo todos os dias, mas de permitir um pouquinho de brincadeira diária”, reforça.
Conexão não se compra — se constrói
Mais do que viagens elaboradas ou brinquedos sofisticados, as memórias afetivas das férias nascem em gestos cotidianos: contar histórias, fazer um lanche ao ar livre, escrever em um diário, desenhar livres à mesa, caminhar sem pressa.
Em um mundo que exige produtividade e estímulo constantes, as férias lembram que o desenvolvimento mais profundo — aquele que fortalece vínculo, autonomia e segurança emocional — acontece justamente quando diminuímos o ritmo e nos permitimos estar presentes de verdade.

