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Som da Liberdade


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 05/10/2023
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Na Coluna dessa semana, gostaria de comentar sobre um filme que estreou na última semana e que desde muito antes de chegar ao cinema já estava gerando polêmica, não apenas no Brasil, mas no mundo. Foi prudente esperar um pouco para comentar a respeito e, principalmente, me posicionar sobre o filme. Quem acompanha a Coluna sabe que, em geral, eu sou sempre simpático a filmes com teor religioso ou um viés mais voltado para essa prática. Acredito que a arte é um espaço democrático e também pode ser utilizada como espaço de fala para grupos e pessoas religiosas. No entanto, acredito que da mesma forma, a arte deve ser isenta de manipulação, haja vista os muitos exemplos que a História nos oferece sobre como isso pode ser perigoso. Feita essa breve introdução, cabe agora falar mais especificamente sobre o grande filme do momento, que tem levado muita gente ao cinema e que tem acumulado controvérsias. Essa semana trarei alguns detalhes sobre Som da Liberdade.

Possivelmente você já ouviu falar desse filme, se não foi por um amigo da direita, foi por alguém num grupo de WhatsApp, ou mesmo por meio da ex-ministra Damaris apelando nas redes sociais para que você vá ao cinema assisti-lo (sim, chegamos a esse ponto!).

Bem por isso, Som da Liberdade foi um filme que se destacou por suas controvérsias e acabou paradoxalmente por atrair uma audiência significativa, apesar de suas deficiências evidentes no campo técnico e artístico. Enquanto do ponto de vista cinematográfico, esta obra passaria despercebida pela maioria do público, o que realmente chamou a atenção do mundo foram suas inclinações políticas à direita e as controvérsias em torno de seu protagonista. Vale a pena ressaltar que essa é uma obra baseada em fatos.

Em um mundo politicamente polarizado, o filme tornou-se uma ferramenta de manipulação de massas e doutrinação dos valores conservadores, mesmo que seus criadores iniciais não tivessem essa intenção ao concebê-lo. Financiado por investidores independentes, Som da Liberdade tornou-se associado frequentemente ao grupo QAnon, cujos membros propagam teorias conspiratórias sobre políticos de direita, como o ex-presidente estadunidense Trump, travando uma suposta guerra secreta contra adoradores de satanás, muitos deles acusados de pedofilia. Deixando de lado a veracidade ou não dessas alegações, é importante ressaltar que o filme atraiu a atenção de muitos grupos de extrema direita em todo o mundo, inclusive no Brasil, o que o alavancou sua bilheteria nos últimos dias.

Inicialmente Som da Liberdade era um projeto religioso concebido em colaboração entre grupos dos Estados Unidos e México. A princípio ele tinha o aval da Fox Latina para sua produção e distribuição, no entanto quando a Fox foi comprada pela Disney em 2019 paralisou o filme, uma vez que o viés religioso não se alinhava com os interesses da Disney. Foi então que o Angel Studios, conhecido pela série The Chosen, resgatou o projeto.

O tema central do filme é louvável, a luta contra a pedofilia. Uma temática inegavelmente urgente e necessária. No entanto, minha crítica não recai sobre o mérito da causa em si, mas sobre a exploração tendenciosa e a polarização política que acabaram por permear o filme. Infelizmente, o filme colabora muito para esse tipo de exploração, principalmente quando aborda o assunto de maneira maniqueísta, retratando os “vilões” motivados exclusivamente pela vontade de fazer o mal, enquanto os “heróis” são apresentados como infalíveis seguidores da lei. Uma abordagem bastante simplista para um tema complexo e humano e que já não cabe mais para a realidade atual. É preciso abordar de maneira clara e eficaz também as causas e motivações para que haja um mínino de discussão e busca por solução.

Com já anunciado anteriormente, Som da Liberdade também desaponta do ponto de vista técnico. Seu roteiro é fraco, a cinematografia é medíocre e a atuação dos atores, incluindo Jim Caviezel, deixa muito a desejar. Caviezel, conhecido por sua atuação brilhante no filme A Paixão de Cristo, de 2004, parece forçado e pouco convincente em seu papel. A direção e o roteiro ficaram a cargo de Alejandro Gomez Monteverde, que opta por uma abordagem dicotômica, que tenta demonstrar a maldade do mundo em contraponto aos heróis, falhando em explorar as complexidades possíveis da trama.

Outro aspecto que não pode ser deixado de lado, se encontra no desacordo da obra com as discussões contemporâneas sobre diversidade e migração. A representação estereotipada do “salvador” como um homem branco e americano, contrastando com os estrangeiros como antagonistas, contradiz a busca por uma visão global e inclusiva, tão discutida em nossos tempos. Vamos à trama!

A trama não possui segredos, mas é sim bastante interessante. Um ex-agente federal embarca em uma perigosa missão para salvar uma menina dos cruéis traficantes de crianças. Com o tempo se esgotando, ele viaja pelas profundezas da selva colombiana, colocando sua vida em risco para libertá-la.

Após esse breve relance sobre a trama, precisamos voltar às polêmicas. Se você achava que as polêmicas em torno do filme haviam acabado, se enganou. Tim Ballard, o homem que inspirou o herói do filme foi acusado no dia 19 de setembro por um grupo de mulheres da Operation Underground Railroad, grupo fundado pelo próprio Ballard, de assédio sexual, manipulação espiritual, má conduta e aliciamento. Tudo isso, enquanto elas trabalhavam na instituição que ele fundou e que visa justamente combater o tráfico infantil de crianças que, muitas vezes, são exploradas sexualmente. Uma situação difícil, contraditória, mas que também colabora para que agora o outro grupo, o que se contrapõe à extrema direita também se interesse pelo filme, para poder, ao final de tudo, criticá-lo com propriedade.

Em resumo, Som da Liberdade é um filme que, apesar de sua notoriedade e controvérsias, carece de mérito artístico e técnico, mas que deve ser visto principalmente pela sua vontade de chamar a atenção para um tema ilustre. Infelizmente sua exploração de uma temática urgente é prejudicada pela tendência a transmitir mensagens conservadoras extremas e simplistas, mas nada que alguém bem instruído não possa enfrentar e filtrar. O que fica no final é um lembrete de que o cinema deve transcender suas agendas ideológicas e oferecer narrativas mais ricas e equilibradas ao público. Boa sessão!

 

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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