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O Aprendiz


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 24/10/2024
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Às vésperas das eleições americanas, num contexto complexo, conturbado e acirrado, chega aos cinemas uma cinebiografia sobre um dos candidatos à Casa Branca. Não, caro leitor, isso não é roteiro de filme! O Aprendiz, filme sobre Donald Trump, acabou de chegar aos cinemas. Eu vou ser muito sincero, quando ouvi os primeiros rumores a respeito desse acontecimento fiquei bastante apreensivo, isso porque o teor de um filme, pode colaborar para uma escolha consciente dos cidadãos votantes estadunidenses na mesma medida em que pode ser mais uma estratégia de marketing de campanha, desequilibrando a balança democrática.

É muito estranho iniciar uma coluna de crítica de cinema discutindo sobre a política de um país distante, porém, considerando que a política dos Estados Unidos influencia direta e indiretamente a política, a democracia e a estabilidade geopolítica ao redor do mundo, somado ao fato que isso tudo está relacionado a um filme, o ato é completamente justificável! Agora, vamos ao que interessa sobre o filme!

O Aprendiz é um filme que mergulha na juventude e na formação de Donald Trump, mostrando como ele se tornou uma das figuras mais controversas da política estadunidense. Dirigido por Ali Abbasi, o longa faz uma crítica ao sistema político e econômico dos Estados Unidos, usando a história de Trump como um exemplo de como a ambição exagerada e a busca por poder podem revelar as falhas do capitalismo. A narrativa é centrada na relação do jovem Trump com Roy Cohn, um advogado influente que serve como mentor e molda profundamente sua abordagem nos negócios e na vida pública.

A história se passa em Nova York, durante os anos 1970 e 1980, período em que Trump, interpretado por Sebastian Stan, começa a se destacar no mercado imobiliário da cidade. Com a ajuda de Cohn, vivido por Jeremy Strong, ele aprende a superar problemas legais que ameaçam os negócios da família, mas o aprendizado vai muito além dos aspectos técnicos. Cohn, conhecido por seus métodos pouco éticos, apresenta Trump a um mundo de manipulação, poder e interesses pessoais, onde a ideia de passar por cima de tudo e todos igual a um trator para vencer é a regra.

O filme não se limita a ser uma cinebiografia. Ele questiona a imagem do “homem que se fez sozinho” — um conceito muito valorizado pela extrema direita e pelos Estados Unidos, mas que, na prática, mostra apenas uma parte da história. Em vez de alguém que vence desafios apenas com esforço próprio, o filme revela um Trump que se aproveita de privilégios e se alia a figuras poderosas para construir seu império. Isso vai contra a ideia romantizada de que ele “subiu na vida” apenas por mérito. Na verdade, sua trajetória mostra uma série de manobras que favorecem poucos e prejudicam muitos, refletindo um sistema que, muitas vezes, recompensa a ambição sem limites em detrimento de muita gente.

A direção de Ali Abbasi é eficaz em conectar a trajetória de Trump com o próprio desenvolvimento dos Estados Unidos nas últimas décadas, sugerindo que o comportamento predatório do personagem é um reflexo do sistema que o apoia e o promove como um exemplo de sucesso. O filme usa imagens de arquivo e discursos presidenciais para traçar paralelos entre o crescimento de Trump e as políticas econômicas do país, reforçando ainda mais a ideia de que, muitas vezes, o progresso de alguns se dá às custas de muitos.

As atuações são um ponto alto do filme. Sebastian Stan prova que vai muito além de um rostinho bonito com um braço biônico (fãs da Marvel sabem do que eu estou falando), ele consegue capturar a complexidade do jovem Trump, mostrando tanto sua ambição quanto momentos de vulnerabilidade que o tornam mais humano. A transformação do personagem ao longo do filme é feita de forma convincente, com seu comportamento se tornando cada vez mais frio e calculista à medida que aprende com Cohn. Jeremy Strong, por sua vez, oferece uma interpretação marcante de Roy Cohn, exibindo a dureza e a falta de escrúpulos de seu personagem, mas também sua lealdade aos poucos que considera amigos, algo que Trump abre mão ao longo de sua trajetória, mostrando que superou o próprio mestre. A relação entre os dois personagens evolui de mentor e aprendiz para uma dinâmica mais complexa, na qual Trump supera Cohn em termos de frieza e falta de ética.

Outro ponto forte do filme é a ambientação. O trabalho de fotografia varia para refletir cada época, com um estilo mais granulado para os anos 1970 e uma imagem mais nítida nos anos 1980, simbolizando não apenas o avanço tecnológico, mas também a transição de uma era mais ingênua para uma de maior sofisticação e cinismo. A direção de arte, com cenários opulentos e figurinos extravagantes, reforça a obsessão de Trump por riqueza e poder, e o uso de tons dourados nos ambientes ilustra essa mentalidade, onde o dinheiro é visto como a principal medida de sucesso.

O filme ainda levanta dúvidas sobre a validade desses métodos extremos de Trump, perguntando se o sucesso alcançado através de manobras duvidosas realmente compensa. Em tempos em que políticos populistas e extremistas ganham força com discursos nacionalistas e agressivos, O Aprendiz faz o público refletir e escancara na tela uma advertência sobre o impacto que esse tipo de liderança pode acarretar para um país, ou para o mundo. A obra sugere que os métodos usados por Trump podem ser tomados como modelo por outras figuras políticas, despertando interesse sobre os riscos que isso pode trazer para a sociedade.

Embora não seja isento de falhas, como um ritmo um pouco irregular e uma possível ênfase exagerada em transmitir uma mensagem política, a obra compensa esses pontos com atuações poderosas e uma direção que mantém o público envolvido. Abbasi apresenta uma narrativa que dialoga com o presente e convida o espectador a reflexões sérias e necessárias, sem perder o foco no entretenimento.

O Aprendiz é um filme essencial para quem deseja entender as dinâmicas de poder e os perigos de um sistema que muitas vezes glorifica a ambição desmedida e ignora a tão necessária e esnobada ética. Mais do que contar a história de um homem, o filme oferece uma análise crítica de um modelo econômico e social que precisa ser questionado e discutido. Boa sessão!

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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