Muito Além da Pandemia: Uma Crise Global
Josimar Priori
Como tenho argumentado, embora a pandemia não tenha produzido, ao menos por enquanto, um novo ordenamento social, ela aprofundou as desigualdades, assim como as tornou mais visíveis. É prova disso, por exemplo, o fato de que mulheres, negros e moradores de periferia são os mais prejudicados, enquanto os muito ricos ficaram ainda mais ricos nestes meses de caos na saúde pública.
Com efeito, o modo de produção de capitalista se mostra – antes e durante a crise pandêmica – como um sistema econômico capaz de gerar cada vez maior concentração de riqueza nas mãos de uns poucos. É o que mostra, por exemplo, o prof. Ladislau Dowbor no livro A Era do Capital Improdutivo, publicado em 2017. Dowbor demostra que estamos construindo um inacreditável sistema de concentração de renda que catapulta grande parte da população mundial para a extrema miséria, cria um sistema financeiro estéril e cobra um altíssimo preço ambiental.
O atual sistema econômico se baseia na crença do crescimento ilimitado, almejando sempre produzir e consumir mais. Atualmente somos 7,2 bilhões de pessoas no planeta, com um incremento de 80 milhões por ano. Ainda que se aperfeiçoem cada vez mais as técnicas produtivas, essa realidade é insustentável do ponto de vista do globo terrestre. Afinal, como gerir um sistema de crescimento e consumo infinitos com base em recursos naturais e matérias primas limitadas? Extinções, incêndios, contaminação dos rios, dos mares, da terra e do ar, derretimento das geleiras, mudanças climáticas mostram que o planeta já está dando claros sinais de esgotamento.
Igualmente trágico é que esse processo de espoliação planetária tem servido a um pequeno grupo que controla quase todo o sistema produtivo e financeiro global. Embora, segundo Dowbor, não há qualquer razão objetiva para os dramas sociais que vivemos, temos de um lado, uma grande massa de pessoas vivendo na extrema miséria e de outro uma pequena parcela gozando de uma quantidade de recursos inimagináveis. O autor demonstra que oito indivíduos controlam mais da metade da riqueza mundial. Dowbor aponta ainda que 1% da população do globo detém 99% da riqueza, enquanto os 99% restantes dos habitantes do mundo disputam entre si os míseros 1% que sobram. Outro dado importante apresentando pelo autor é que este é um ciclo repetitivo. Isto é, de um lado a riqueza é legada de geração a geração e de outro a pobreza é, da mesma maneira, passada de pais para filhos.
Além disso, a maneira como essa riqueza se concentra é inócua, pois tem comprometido o sistema produtivo propriamente dito. De fato, a lógica de acumulação tem se baseado num perigoso sistema de apropriação de renda por meio de aplicações em um sistema financeiro e improdutivo, visto que não há base industrial suficiente para sustentar as taxas de juros. Como o autor exemplifica: “um bilionário que aplica um bilhão de dólares para render módicos 5% ao ano está aumentando a sua riqueza em 137 mil dólares por dia [sem produzir nada]. Não dá para gastar em consumo esta massa de rendimentos. Reaplicados, os 137 mil irão gerar uma fortuna anda maior. É um fluxo permanente de direitos sobre a produção dos outros, recebido sem tirar as mãos no bolso” (DOWBOR, 2017, p. 26).
De fato, como se vê, os desafios de nossa geração não se resumem a vencer uma pandemia. Precisamos, de fato, construir uma nova forma de organização social, usando as palavras do prof. Dowbor, “que funcione”. Necessitamos urgentemente corrigir os rumos tanto de nosso sistema político-econômico, quanto da maneira como lidamos com o meio ambiente. Para fazer isso é necessário romper com a ideologia do crescimento ilimitado, promover a distribuição de recursos entre todos e entender que é urgente a instituição de uma nova e sustentável forma de utilização dos recursos naturais finitos que nossa casa comum, o planeta Terra, nos oferece.
Referência:
DOWBOR, Ladislau. A Era do Capital Improdutivo: Por que oito famílias tem mais riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017.