A CIÊNCIA SOB ATAQUE
Você conhece algum cientista? Você sabe o que os cientistas fazem? Como diferenciar um profissional da ciência de um de outra área? Embora talvez a maioria de nós tenha dificuldade de responder questões como estas, a ciência produzida por estes profissionais está presente em cada palmo de nossa vida. Entre outros milhares de exemplos, há pesquisa cientifica no detergente usado para lavar louça, no cimento, no tijolo e no projeto arquitetônico de nossas casas, na água que bebemos, no supermercado, na informática, em todo e qualquer tratamento de saúde etc..
Talvez seja pela pouca identificação de uma figura concreta do cientista no país que boa parte da população tem aceitado a ofensiva contra a ciência nos últimos anos. Em um país que se orgulhou de ser celeiro do mundo, o saber científico nunca foi, de fato, prioridade. Ainda assim, jamais houve um plano sistemático de destruição da ciência e da tecnologia como o que vemos em curso. O projeto político hoje hegemônico, autoritário e obscurantista, orquestra seus ataques em duas frentes. Por um lado, estrangula as instituições científicas por meio do progressivo e irrefreável corte de financiamento. Por outro lado, desmoraliza a imagem e o trabalho de pesquisadores e pesquisadoras do mais alto nível de excelência por meio de ardilosa campanha de difamação, imbuída de acusações infundadas e invenção de pseudoteorias sem nenhum lastro científico, como a negação do aquecimento global e o chamado “kit covid de tratamento precoce”.
A ciência, como toda prática humana, é passível de crítica. Não só deve ser questionada, como possui em sua própria lógica o princípio da dúvida como procedimento de produção de conhecimento. No entanto, o tipo de ataque que se tem feito a ela não é aquele que desconfia de seus resultados em nome de investigações mais sofisticados e com melhores resultados. Longe disso, trata-se de reduzi-la a um equivalente da opinião de qualquer pessoa e transformar pesquisadores em figuras execráveis. Tal uma operação tem o efeito de anular anos e anos de exaustivo trabalho, de modo que determinada tese científica passa a ter, quando muito, o mesmo valor do posicionamento de uma pessoa que jamais dedicou um segundo sequer para a reflexão sobre determinada temática em discussão. Assim, questões técnicas como a eficácia das vacinas, a existência do racismo ou as causas da desigualdade são ignoradas e substituídas por crendices e mistificações extremistas.
Isso não seria tão problemático, porém, se não fosse endossado por figuras do mais alto escalão da república. Contra décadas de conhecimento acumulado, pessoas como o presidente da república (?), ministros, ex-ministros, deputados federais e senadores se julgam no direito de desqualificarem todo esse saber em nome de suas fantasias. O deputado federal Osmar Terra (MDB), por exemplo, ainda no começo da pandemia, garantiu que não morreriam mais que duas mil pessoas no país por Covid-19. E, claro, ninguém se esquece de que o presidente foi conclusivo em afirmar que doença não era, na verdade, mais que uma gripezinha e que promoveu amplamente um remédio comprovadamente ineficaz e, ainda mais, danoso à saúde se mal utilizado.
A ciência, porém, é uma conquista humana fundamental. Por dever de oficio, precisa ser problematizada, mas não para ser negada e substituída por mitos e fanatismos. Parte importante desse processo de valorização da ciência depende de sermos capazes de reconhecer quem são os homens e as mulheres de ciência. Assim, cumpre lembrar, que eles são encontrados nas cadeiras docentes das universidades, nos laboratórios e institutos de pesquisa, mas também em qualquer escola do país, nas pesquisas de rua, nos consultórios médicos e nos hospitais desenvolvendo seus ramos específicos da ciência e gerando conhecimento que beneficia toda a coletividade.
Sim, todo aquele que fez um curso superior recebeu formação científica. Todo professor recebeu tal formação e a desenvolve com os seus alunos desde a pré-escola, os quais não deixam também de serem pequenos cientistas. Ademais, não são apenas físicos, químicos e biólogos que desempenham esta profissão, mas também historiadores, sociólogos, matemáticos, psicólogos, médicos, enfermeiros, juristas e todos aqueles que desenvolvem conhecimento assentados nas premissas do método científico. É prudente que fiquemos com eles e não com os que patrocinaram as mais de quatrocentas mil mortes no país apenas por Covid-19 no último ano.
Josimar Priori