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É Possível uma Educação para a Democracia?


Por: Rogério Luís da Rocha Seixas
Data: 01/11/2021
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Como ilustra o título proposto para esta nova reflexão, pode-se colocar a seguinte questão: A educação apresenta algum tipo de tarefa ética e política? Tal questionamento se justifica devido a sua inegável importância ou pelo menos assim aparenta com referência aos processos de transformação social.  Desta forma, outros questionamentos tornam-se viáveis: Qual a contribuição da práxis educativa para a transformação e constituição de um corpo social inserido em um regime democrático? Existe no ato de educar, meios concretos para firmar e consolidar as bases de uma democracia, visando barrar qualquer tipo de ameaça ou tendência autoritária? Ainda se faz possível uma outra indagação: A educação ao invés de promover a emancipação dos indivíduos, pode ser usada como instrumento de dominação, por governos autoritários?  

Para iniciar a reflexão e discussão com vocês, parto da premissa de que a educação necessita ser aqui entendida como a formação do ser humano para que possa desenvolver suas potencialidades de julgamento, escolha e ação de modo autônomo, para que atue de maneira consciente em uma sociedade que objetive consolidar e fortalecer a soberania popular, o respeito aos direitos humanos e o reconhecimento da diversidade. Estes são valores importantes para se exercitar uma cidadania mais direta e a garantia das liberdades civis, a busca por mais solidariedade e equidade. Neste quadro, penso que em uma sociedade como a nossa, marcada pelo racismo, pela desigualdade social e intolerância contra modos de vida outros, desrespeitando os direitos de etnias e grupos de gênero, torna-se essencial. Aparentemente, uma educação para a democracia precisa de conhecimentos básicos da vida social e política, vinculando-se também com uma formação ética.

Formulamos agora o seguinte questionamento: a educação para democracia pode impedir a prevalência do autoritarismo? Destaco a posição do filósofo Theodor Adorno que em seu texto Educação e emancipação, discute exatamente as restrições os limites a fragilidade da educação para o fortalecimento da democracia. Todavia, Adorno ressalta uma tarefa essencial à educação: “se contrapor às tendências autoritárias presentes nos indivíduos por meio do compromisso ético e político assumido por todos aqueles que, envolvidos com a educação, manifestam apreço à democracia e à autonomia que ela tanto necessita” (ADORNO, 2003, 133). A reflexão crítica de Adorno também busca nos quer alertar sobre o caráter ambíguo na educação, inclusive, que contribui também para a dominação social, não sendo e por acaso que muitas de suas expressões ao longo da história humana são exemplos de dor e de sofrimento imputados às crianças e aos jovens nos seus processos de adaptação à uma cultura que longe de ser democrática, moldou-se em regimes autoritários ou totalitários se assim quisermos como no caso do nacional-socialismo. Assim, seguindo um pouco mais as reflexões de Adorno, a educação desempenha um papel importante no sentido de frear as tendências que provocam nos sujeitos passividade, conformismo e adaptação a mera naturalização dos fenômenos sociais.

 Mais do que contribuir para uma transformação social, a educação consistiria em promover resistência as tendências autoritárias sobre os sujeitos e por conseguinte no coletivo, produzindo uma consciência verdadeira e não idealizada, tarefa que se coloca como exigência política no contexto das sociedades democráticas: “uma democracia com o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de quem é emancipado” (ADORNO, 2003, 142). Percebe-se aqui uma concepção de emancipação, enquanto motor do processo formativo, mas não de forma idealizada ou mesmo ideológica, formando uma consciência nos indivíduos para que possam ser capazes de identificar as relações de dominação social bem como as ideologias que as sustentam e, nessa atitude, capazes também de resistir a elas, principalmente em estruturas sociais e políticas que se autodenominem “democráticas”.  

Pode-se ressaltar que quando Adorno se refere à função possível e não idealizada da educação, faz referência a ela não em termos apenas de um projeto pedagógico, mas como compromisso ético e político assumido por educadores que poderá se refletir na esfera institucional. Parece possível dizer que a aposta da educação, tal como ainda a concebe Adorno, não se dirige exatamente à constituição de uma sociedade democrática idealizada ou utópica, mas à recusa em se perpetuar e fortalecer os traços autoritários presentes na sociedade, os quais se desdobram em termos subjetivos, e que sempre abrem espaços para a prática da barbárie. Desta forma, a educação para a democracia poderá se realizar a partir de um duplo movimento: por um lado, ela possibilitando aos indivíduos, por meio da autorreflexão, identificar as forças sociais que atuam sobre si e ao mesmo tempo, por outro lado, auxiliando na compreensão da raiz objetiva de tais forças e de acordo com o momento presente da sociedade em que estão inseridos resistir a essas, caso demonstrem-se ameaçadoras contra suas liberdades e direitos. Esse movimento duplo configura-se como vital para a sobrevivência, aperfeiçoamento e consolidação da democracia.

 

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

 

 

 

 

Rogério Luís da Rocha Seixas

Rogério Luís da Rocha Seixas é Biólogo e Filósofo Docente em Filosofia, Direitos Humanos e Racismo Pesquisador do Grupo Bildung/IFPR e-mail: rogeriosrjb@gmail.com


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