O Antigo Testamento: Noé, o pregador da justiça
“Disse também Deus a Noé e a seus filhos: Eis que estabeleço a minha aliança convosco, e com a vossa descendência, e com todos os seres viventes que estão convosco”
– Gênesis 9.8-10.
“(...) e não poupou o mundo antigo, mas preservou a Noé, pregador da justiça,”
– 2 Pedro 2.5.
A história de Noé está registrada nos capítulos de 5 a 9 de Gênesis. Noé foi filho de Lameque, filho de Matusalém, da linhagem de Sete, filho de Adão.
Noé recebeu este nome pois seu pai Lameque esperava que seria por meio de Noé que Deus iria cumprir sua promessa de consolar (????? / no·ach = descanso) a terra por meio do descendente da mulher (Cf. Gn 3.15).
Disse assim Lameque: “28 Lameque viveu cento e oitenta e dois anos e gerou um filho; 29 pôs-lhe o nome de Noé, dizendo: Este nos consolará dos nossos trabalhos e das fadigas de nossas mãos, nesta terra que o Senhor amaldiçoou.” (Gn 5.28-29).
Não sabemos muito a respeito da vida de Noé, como foi sua infância e outras demais fases da vida. Sabemos que Noé era um lavrador (Cf. Gn 9.20) e que viveu muitos anos, mas quando completou 500, gerou três filhos: Sem, Cam e Jafé (Cf. Gn 5.32).
Onde vivia, a sociedade estava mergulhada em pecados e corrupções, “(...) a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração.” (Gn 6.5).
No entanto, a Bíblia ensina que Noé “(...) achou graça diante do Senhor.” (Gn 6.8). O termo graça, no original hebraico, também pode ser traduzido por “favor”, e achou como “encontrou”. Ou seja, Noé encontrou o favor do Senhor gracioso numa sociedade toda manchada pelo pecado.
Foi naquele contexto de corrupção generalizada que Deus decidiu então dar cabo de toda a humanidade: “Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito.” (Gn 6.7), mas, por graça, poupou Noé.
O Senhor declarou que para eliminar o homem da face da terra traria um dilúvio, porém com Noé, disse Deus: “(...) estabelecerei a minha aliança;” (Gn 6.18). Essa é a primeira intra-aliança da Aliança da Graça de Deus estabelecida com Adão. Teologicamente chamada de Aliança Noaica.
Curiosamente, esta aliança incluía também a criação (Cf. Gn 6.11-22); portanto, era uma aliança de caráter universal, abrangendo a família de Noé e a criação: “9 Eis que estabeleço a minha aliança convosco, e com a vossa descendência, 10 e com todos os seres viventes que estão convosco” (Gn 9.9-10). Antes do dilúvio, Noé fez duas coisas principais: aparelhou a arca pela fé (Hb 11.7) e também pregou a justiça de Deus (Cf. 2 Pedro 2.5) por cerca de 120 anos (Cf. Gn 6.3)!
Após o dilúvio, Noé – com seus filhos, sua mulher e as mulheres de seus filhos – desceu da arca. Imediatamente, ofereceu um holocausto ao Senhor sobre um altar construído. Sacrificou animais limpos e Deus se agradou, aspirando o suave cheiro e declarando uma promessa de caráter providencial: “Enquanto durar a terra, não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite.” (Gn 8.22).
A aliança de Deus com Noé e a Criação foi representada pelo fenômeno óptico do arco-íris: “12 Disse Deus: Este é o sinal da minha aliança que faço entre mim e vós e entre todos os seres viventes que estão convosco, para perpétuas gerações: 13 porei nas nuvens o meu arco; será por sinal da aliança entre mim e a terra. 14 Sucederá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra, e nelas aparecer o arco, 15 então, me lembrarei da minha aliança, firmada entre mim e vós e todos os seres viventes de toda carne; e as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda carne.” (Gn 9.12-16).
Apesar da enorme graça do Senhor na vida de Noé, ele teve quedas em pecados, e já em terra, após plantar uma vinha, bebeu do vinho e embriagou-se, ficando nu em sua tenda, sendo depois exposto e ridicularizado por um dos seus filhos, chamado Cam (Cf. Gn 9.20-27). Isso nos lembra que até mesmo os homens mais piedosos estão sujeitos à fraqueza humana: “Assim, aquele que julga estar firme, cuide-se para que não caia!” (1 Cor 10.12).
É importante destacar que o pecado de Noé após o dilúvio não foi o consumo de vinho alcoólico em si, mas a embriaguez, que é condenada repetidamente nas Escrituras (Cf. Ef 5.18; Pv 20.1). A falha de Noé, contudo, não anulou a graça incondicional de Deus em sua vida e nem retirou dele o importante papel que ocupa na história da redenção.
Na teologia bíblica, Noé é uma figura tipológica de Cristo: ele foi o instrumento de salvação da sua família em meio ao juízo de Deus sobre o mundo. Assim também é Cristo, o Senhor e Salvador do povo eleito, resgatando-os do juízo. Também vemos um tipo de Cristo na arca de Noé. Ela aponta para Cristo como o único refúgio seguro em meio à condenação. Ou seja, fora de Cristo estamos sujeitos ao derramar da ira de Deus e à condenação; mas em Cristo, estamos seguros, guardados pelo seu poder.
Porém, Noé era apenas uma figura simbólica, um tipo; era pecador e necessitava da graça do Senhor. Ele não era o descendente prometido, aquele que, como esperava Lameque, “(...) nos consolará dos nossos trabalhos e das fadigas de nossas mãos, nesta terra que o Senhor amaldiçoou” (Gn 5.29).
Essa esperança – embora legítima – não se cumpriu plenamente em Noé, mas apontava profeticamente para Cristo, o verdadeiro e definitivo Consolador dos eleitos. É Ele quem, sem pecado, viveu em perfeita justiça, ofereceu-se em sacrifício e, ressuscitado, garante uma salvação completa e eterna. Nele se cumpre a promessa de descanso e consolo aos que gemem sob o peso da queda e da maldição — pois em Cristo, os eleitos encontram graça, redenção, refúgio e paz com Deus.