Violência obstétrica: precisamos romper com esse silêncio
Anara Rebeca Ciscoto Yoshioka[1]
A violência obstétrica é uma violência de gênero que ocorre de forma silenciosa, pois é desconhecida da vítima e por este motivo, é pouco denunciada e geralmente não aparece na jurisprudência como tal. Contudo, conforme pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo (VENTURI et al, 2010, p. 175), 25% das mulheres haviam sofrido violência no momento do parto no Brasil em 2010. Portanto, é algo que ocorre de forma recorrente e que deve ser debatido de forma ampla, a fim de empoderar quem a sofre.
A violência obstétrica pode ser conceituada como “todo e qualquer ato praticado contra a mulher no exercício de sua saúde sexual e reprodutiva, podendo ser cometida por profissionais de saúde, servidores públicos, profissionais técnico-administrativos de instituições públicas e privadas, bem como civis” (BRASIL, 2012, p. 60). Assim, a conduta que caracteriza a violência obstétrica é muito mais ampla do que o erro médico, pois fere os direitos reprodutivos da pessoa, que deixa de ter autonomia sobre o próprio corpo em processos reprodutivos.
Neste conceito, a conduta pode ocorrer em diversos momentos, como no pré-natal, exames laboratoriais, aborto, esterilização, parto, puerpério, amamentação; diversos podem ser os sujeitos passivos, independentemente de sexo ou gênero, como a pessoa gestante, parturiente ou puérpera, a pessoa em situação de abortamento, o acompanhante; e ainda o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, mudando-se apenas a relação em que ocorre, podendo ser individual (entre o sujeito ativo e passivo), institucional (por toda a equipe de um espaço público ou privado) ou estrutural (perpetrada pela sociedade).
Os atos de violência obstétrica podem ser atos físicos, como privar a gestante de alimentação, aceleração do parto com ocitocina, cesariana eletiva sem indicação clínica e outros; psicológicos, dentre os quais, chacotas, ameaças, mentiras, abandono, agressões verbais; sexuais, como assédio, exames de toque vaginais invasivos, lavagem intestinal sem indicação clínica, cesariana sem consentimento informado, episiotomia de rotina (ou "pique" realizado sem evidências científicas no momento do parto natural), entre outros; institucionais, como o impedimento para a entrada do acompanhante; materiais, visando a obtenção de vantagem indevida da gestante pela utilização de um serviço ou direito em razão da gravidez. Esses atos podem ocorrer conjunta ou separadamente (BRASIL, 2012, p. 60).
Salienta-se que para os atos médicos serem considerados como violentos na relação profissional de saúde-paciente devem ser praticados em desrespeito à autonomia do paciente. Uma das ferramentas que garantem essa autonomia é o livre consentimento informado, ou seja, o médico deve informar ao paciente todos os riscos, procedimentos indicados e contraindicados, todas as etapas do tratamento clínico, dando-se o poder de escolha ao paciente. Assim, caso o profissional não se utilize desta ferramenta ou ainda que se utilize, desrespeite a vontade do paciente, mesmo havendo evidências científicas para tanto, há violência obstétrica.
No Brasil não existe lei federal específica que trate do tema de violência obstétrica. Contudo, há algumas legislações estaduais a esse respeito, dentre as quais se pode citar a Lei Estadual n.º 19.701 de 20.11.2018 do Estado do Paraná, que disponibiliza como canais de denúncia pelo descumprimento dessa lei a ouvidoria da Secretaria de Estado da Família ou da Secretaria de Estado da Saúde, o Ministério Público Estadual ou o disque-denúncia 181 da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária; e impõe aos estabelecimentos de saúde públicos ou privados a realização de notificação compulsória aos órgãos competentes (ESTADO DO PARANÁ, 2018).
Destarte, os momentos em que pode ocorrer a violência obstétrica são ocasiões em que a pessoa geralmente se encontra muito vulnerável, sendo essa violência um desrespeito e afronta ao indivíduo no exercício de seus direitos reprodutivos. Assim, para que haja a visibilidade do tema, políticas públicas e legislações que visem combater a violência obstétrica é necessário romper com esse silêncio, utilizando-se dos canais de denúncia disponibilizados pelos Estados. Ademais, tal rompimento deve ocorrer também no Poder Judiciário, que deve reconhecer as situações de evidente violação desses direitos como “violência obstétrica”.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Governo Federal. Parto do Princípio- Mulheres em Rede Pela Maternidade Ativa. Violência obstétrica: "parirás com dor". Brasil, 2012. Disponível em: http://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf. Acesso em: 12. jul. 2020.
ESTADO DO PARANÁ. Lei nº 19701 de 20/11/2018. Dispõe sobre a violência obstétrica, sobre direitos da gestante e da parturiente e revoga a Lei nº 19.207, de 1º de novembro de 2017, que trata da implantação de medidas de informação e proteção à gestante e à parturiente contra a violência obstétrica. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=369582. Acesso em: 12. jul. 2021.
VENTURI, Gustavo et al. Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, Sesc, agosto de 2010. Disponível em: https://apublica.org/wp-content/uploads/2013/03/www.fpa_.org_.br_sites_default_files_pesquisaintegra.pdf. Acesso em: 12. jul. 2021.
[1] Mestranda em Ciências Jurídicas pela UNICESUMAR-PR; especialista em Direito Civil, Processo Civil e Direito do Trabalho pela UNICESUMAR, Maringá/PR; pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pelo Damásio Educacional – IBMEC/SP. Assistente III de Juiz pelo Tribunal de Justiça do Paraná. E-mail: anara_pvai@hotmail.com.