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Superman


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 14/07/2025
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O fim de semana, no mundo do cinema, foi marcado pelo novo filme do Supeman e isso desperta vários pontos de atenção. Produzir e lançar um blockbuster com quase 50 anos de tradição só no meio cinematográfico e que ostenta uma história de quase 90 anos é um desafio. Nesse ponto, a Coluna Sétima Arte dessa semana já começa adiantando, James Gunn, o produtor e diretor desse filme, ousou. E a boa notícia é que essa ousadia deu muito certo.

Superman chegou aos cinemas não apenas como mais um reboot de um herói consagrado, mas como o verdadeiro ponto de partida de um novo universo cinematográfico – e o que talvez seja mais surpreendente: sem o peso de querer parecer grandioso o tempo todo. É fato que existe um vazio no mundo do entretenimento no que diz respeito ao gênero super-herói no cinema. A Marvel tem enfrentado o resultado do esgotamento de seu MCU e está buscando a todo custo correr atrás do prejuízo. Aproveitando a fraqueza de seu principal concorrente, a DC abriu muito bem sua tentativa de um novo universo cinematográfico para seu hall de super-heróis. Com isso, o que chega aos cinemas, não é um épico fundacional, o que temos é um filme que fala, sobretudo, de humanidade. De um herói que levanta voo não para se mostrar invencível, mas para nos lembrar que, mesmo com todo o poder do mundo, ainda é possível escolher a compaixão.

Esse novo Superman, interpretado com carisma por David Corenswet, não perde tempo em explicar de onde veio ou como descobriu seus poderes. Em vez disso, Gunn economiza exposição e nos insere num mundo onde Clark Kent já atua como o Homem de Aço há três anos. A origem é resumida em um letreiro que parece ter saído de uma HQ clássica – e é exatamente essa a chave do filme: abraçar a linguagem das histórias em quadrinhos sem medo de parecer “pulp”, cafona ou exagerado. Afinal, o que está na tela é um personagem com um cachorro superpoderoso e uma fortaleza de gelo repleta de robôs. Não é hora para realismo cinzento, e James Gunn sabe disso.

A trama apresenta um Superman em plena crise existencial. Logo nas primeiras cenas, ele sofre uma derrota pública diante de uma figura brutal conhecida como o Martelo da Borávia, um evento simbólico que derruba não apenas o corpo do herói, mas sua imagem. E isso, num mundo hiperconectado e cínico, tem consequências muito mais profundas do que um simples arranhão. Em uma das melhores passagens do roteiro, percebe-se o impacto dessa queda refletido na sociedade digital: memes, cancelamentos, opiniões instantâneas. É uma crítica afiada ao nosso tempo, mas sem ser panfletária. Gunn usa o humor e a leveza como contrapeso à densidade dos temas.

Aliás, leveza é um elemento-chave aqui. O humor do filme é discreto, mas constante. Não se trata de piadas escancaradas, mas de um tom caloroso que permeia toda a narrativa. Seja nas interações afetuosas com Krypto – um dos grandes roubadores de cena – seja na personalidade extravagante de Guy Gardner, interpretado por um hilário Nathan Fillion, o filme mantém um clima de otimismo que contrasta com as constantes e humilhantes derrotas que o ser mais poderoso da terra sofre ao longo de boa parte do longa. Ao final da sessão, o otimismo se sobressai e deixa no público uma sensação mais leve. Algo que reforça a ideia de que o primeiro filme desse novo universo cinematográfico da DC acredita na bondade.

O elenco de apoio é extenso, mas bem conduzido. Lois Lane é interpretada por Rachel Brosnahan, que tem uma excelente química com David Corenswet. Ela é mais do que um interesse amoroso. Ela é co-protagonista, dando muito mais espaço para mulheres num gênero que se construiu em cima de figuras masculinas. Seu jornalismo é ativo, investigativo e crucial para a trama. É dela o mérito de resgatar a imagem do Superman em meio à crise midiática. Brosnahan imprime em Lois uma mistura deliciosa de inteligência, vulnerabilidade e acidez. Fique atento à entrevista que ela faz ao Superman, ambos apresentam um duelo moral tão poderoso quanto qualquer cena de ação.

Nicholas Hoult, por sua vez, entrega um Lex Luthor que flutua entre o megalomaníaco clássico e o bilionário manipulador dos tempos atuais, facilmente associado à algumas figuras do nosso mundo real da atualidade. A crítica social aqui é clara: a figura do alienígena todo-poderoso, benevolente e imigrante vira alvo do medo daqueles que querem manter o status quo. Luthor representa o ressentimento das elites diante do que não podem controlar. É um antagonista que espelha muito do mundo real, sem perder sua raiz vilanesca.

O filme traz ainda duas reviravoltas significativas: a primeira, envolvendo a verdadeira missão dos pais kryptonianos de Clark (vale a pena citar que é Bradley Cooper que dá vida ao pai biológico de Clark Kent), e a segunda, a presença de Ultraman, uma criatura superpoderosa, criada por Luthor (atente-se ao fato de que não estou dando spoilers nesse ponto). Se a primeira subverte o idealismo das origens de Superman, a segunda oferece um confronto físico, simbólico e distorcido do que ele poderia ser. É contra esse ser a luta final que carrega peso emocional e uma boa dose de espetáculo, mesmo que a cena pudesse ser mais impactante visualmente.

Esteticamente, Superman é uma declaração de amor aos quadrinhos, foi pensando e desenvolvido para os fãs e sobre isso não há dúvidas. As cores são saturadas, os enquadramentos são expressivos, tudo faz lembrar as revistas. Há uma intencionalidade quase vintage que, em vez de afastar, acolhe o espectador mais familiarizado com esse universo. A trilha sonora, assinada por John Murphy e David Fleming, também é um belo trabalho, a iniciativa de mesclar temas clássicos com uma sonoridade moderna, sem recorrer ao saudosismo é muito bem-vinda.

Claro que o filme não é isento de falhas. O segundo ato sofre com uma leve dispersão, tentando dar conta de muitas subtramas e personagens ao mesmo tempo. Algumas resoluções parecem simples demais e há conveniências narrativas que poderiam ser mais bem trabalhadas. Mas são deslizes perdoáveis, porque, no fundo, nada disso subverte a ideia original que James Gunn tentou imprimir em sua obra.

O novo Superman não quer apenas reinventar o herói. Ele quer redescobri-lo. Em um mundo saturado de filmes de super-heróis, onde tudo precisa ser sombrio, violento ou cínico, o longa de Gunn propõe algo radicalmente diferente: acreditar. Acreditar que a verdade ainda importa. Que o jornalismo pode ser uma arma poderosa. Que é possível escolher o bem. Que, mesmo caindo, vale a pena tentar levantar. E que esperança ainda tem espaço. Nesse sentido, o filme se mostra muito bem antenado com as mazelas do tempo atual, por isso, ele bem carregado sim, ainda que de forma subjetiva de um tom político e crítico.

Por que ver esse filme? Porque no final das contas, Superman é menos sobre salvar o mundo e mais sobre lembrar ao mundo quem somos. Não está preocupado em ser inovador, mas sim em entreter e recordar ao público porque é que ele vai ao cinema para ver super-heróis e porque essa figura é tão importante para a construção moral e social do ser humano. O público, sobretudo os mais jovens, podem se projetar na figura do herói e espelhar seus posicionamentos e escolhas a partir dele. O que não é ruim, principalmente porque, diferente de outros filmes como esse, não se exalta nele o americanismo, mas uma ideia de humanidade que está além das fronteiras. Que bom que, em 2025, podemos ir ao cinema e ver um filme extremamente comercial, com uma profundidade que vai além da superfície e que escolhe refletir sobre o mundo sem cair no discurso panfletário. Boa sessão!

Odailson Volpe de Abreu


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