Sétima Arte: Zona de Interesse
Estamos na ressaca pós-Oscar! Apesar de, inicialmente, parecer que a noite não seria tão favorável para Oppenheimer, o filme acabou por confirmar seu favoritismo em categorias como Trilha Sonora, Fotografia e Montagem. Além disso, levou para casa os Oscars mais cobiçados: Melhor Direção e Melhor Filme.
Digna de destaque nessa cerimônia foi a primeira categoria anunciada, Melhor Atriz Coadjuvante, na qual o prêmio foi entregue para Da’Vine Joy Randolph, do filme Os Rejeitados. Este prêmio foi muito merecido diante do talento da atriz e proporcionou à noite um mínimo de diversidade. Em seguida, a categoria de Animação reconheceu a superioridade da tradicional animação japonesa, concedendo a vitória para O Menino e a Garça, do estúdio Ghibli. Além disso, Anatomia de Uma Queda, filme francês, levou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.
Já Pobres Criaturas, que corria por fora buscando desbancar o favoritismo de Oppenheimer, emendou três vitórias técnicas consecutivas (Maquiagem e Cabelo, Direção de Arte e Figurino), assumindo a dianteira, mas fechou a noite com quatro Oscars. Foi Emma Stone que garantiu o quarto troféu para Pobres Criaturas ao ganhar em uma das categorias mais disputadas da noite, o Oscar de Melhor Atriz.
Uma surpresa positiva veio do resultado da categoria Melhor Filme Internacional. Zona de Interesse foi avassaladora nessa categoria e colocou mais uma vez a questão da xenofobia, do racismo e da indiferença no centro das discussões. Sobre esse filme brutal, mas sutil, a Coluna Sétima Arte vai trazer informações relevantes para você na edição de hoje.
Zona de Interesse é a adaptação cinematográfica do romance britânico de Martin Amis e emerge como um filme intenso e perturbador que transporta o espectador para o coração da Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Dirigido por Jonathan Glazer, a trama se desenrola em torno da vida aparentemente tranquila do comandante do campo de concentração de Auschwitz, Rudolf Höss, interpretado pelo ator Christian Friedel. Traz uma abordagem apática e rotineira da vida durante um período tão difícil da história e desperta no público de forma muito prática questões profundas sobre a banalização do mal. A indiferença e a normalização das atrocidades cometidas pelos personagens ilustram vividamente essa banalidade, reforçando a ideia de que até mesmo os perpetradores mais cruéis podem cair na monotonia do cotidiano.
Tanto a Segunda Guerra Mundial quanto o horror do nazismo já foram amplamente explorados por Hollywood. No entanto, ao contrário das expectativas convencionais de um filme sobre esse tema, Zona de Interesse não se concentra apenas nas consequências morais dos personagens, mas mergulha profundamente na exploração da rotina em si. O diretor desafia as convenções ao destacar a vida doméstica da família Höss, trazendo a experiência cotidiana dos filhos, da mãe e do pai. Essa escolha narrativa torna-se cativante, pois quebra a corrente de pensamento esperada, permitindo que o banal se manifeste de maneira surpreendente, expondo a sombra oculta não revelada.
Com uma abordagem inflexível, o filme demonstra uma determinação em manter cada elemento em sua posição apropriada, como se estivesse construindo um intricado quebra-cabeças onde todas as peças se encaixam meticulosamente. Essa postura estabelece um solo propício para a crítica oculta, onde Höss emerge como o representante máximo desse aspecto invisível na análise crítica.
Höss, por sua vez, cumpre seu dever sem realmente refletir sobre a moralidade do que está fazendo. Ele age como uma espécie de máquina eficiente, onde a moralidade fica em segundo plano em relação aos objetivos e à própria vida. O filme opta por não mostrar explicitamente cenas horríveis, o que acaba dando uma sensação de limpeza, o que reforça a ideia de que o mal pode se tornar algo comum. A abordagem sistemática e metódica de Höss chama a atenção, levando o público a refletir sobre como a maldade pode ser eficaz quando desligada da moralidade.
Essa abordagem sutil de Zona de Interesse em relação às atrocidades nazistas acaba sendo mais impactante do que qualquer representação gráfica. A escolha por não exibir diretamente as cenas de violência extrema, mas apenas sugerir através de elementos sutis, como a fumaça das câmaras de gás ao fundo, tiros e gritos, cria um impacto visceral. Essa sutileza é mérito do diretor, ele demonstrou tamanha técnica que foi capaz de colocar o terror em segundo plano, provocando desconforto ao focar na vida aparentemente normal da família Höss.
A casa da família, com seu jardim exuberante e piscina, contrasta fortemente com a crueza do campo de concentração ao lado. Este contraste visual não só reforça a dualidade entre a vida idealizada e o horror não explícito, mas também ressoa na consciência do espectador. Cada cena do cotidiano é recheada de desconforto, desumanizando os indivíduos envolvidos e seus cúmplices. O diretor desafia a audiência, demonstrando que é possível chocar e provocar mesmo quando evita representações explícitas, tão comuns na indústria cinematográfica atual. A escolha da frieza narrativa destaca a persistência da temática e reafirma a necessidade de lembrança constante desses eventos históricos, ainda mais em tempos de guerra como os que estamos enfrentando.
Zona de Interesse não é apenas um filme sobre o Holocausto; é uma obra que mergulha nas profundezas da psique humana, explorando a estranha tendência das pessoas em tornar comum e aceitável a maldade. A obra é uma experiência que transcende o cinema histórico típico, envolvendo o espectador em uma reflexão dolorosa sobre a natureza humana, a moralidade e a capacidade de cometer atrocidades enquanto se mantém uma vida aparentemente normal.
Por que ver esse filme? Zona de Interesse é impactante, reflexivo e necessário. Não apenas revisita um passado que alguns buscam esquecer e outros tentam suavizar, como dialoga diretamente com a consciência do público, incentivando uma profunda reflexão sobre os aspectos mais sombrios do ser humano. Mereceu o Oscar que ganhou e merece também ser visto na tela grande do cinema. Boa sessão!