Representações midiáticas e religiões de matrizes africanas: reflexão para a semana da Consciência Negra
Estamos na reta final do mês de Novembro, na semana que antecede o dia 20 do dito mês, isto é: o Dia da Consciência Negra no Brasil. Tal data passou a ser reivindicada como relevante por líderes de diversos movimentos negros, desde a década de 1970. A partir de 2003, nos calendários escolares de algumas instituições temáticas de cunho afro passaram a ser tratadas com maior enfoque no referido dia. Entretanto, o reconhecimento oficial da data em questão como Dia da Consciência Negra ocorreu anos mais tarde, em Novembro de 2011, por meio da Lei 10.519
Por muito tempo, era em outra data que os povos negros tinham, em partes, sua cultura e história rememoradas em nosso país: o dia 13 de Maio, data referente à Lei Áurea (13 de Maio de 1888). No entanto, muitos líderes e membros de movimentos negros não concordavam com as abordagens mais corriqueiras que tal data evocava, pois, em muitos casos, ela servia mais para relembrar a figura da Princesa Isabel associada à abolição – ela, mulher branca da elite pertencente à Família Imperial – do que as lutas, resistências e contribuições dos povos negros em si (ARISPE, 2012) para nosso país. Por que, então, o 20 de Novembro foi o dia escolhido? Porque foi neste dia, ao ano de 1695, que Zumbi dos Palmares – homem negro e líder quilombola – foi morto, na Serra da Barriga, na Zona da Mata do Estado de Alagoas.
Todavia, estimados leitores, não pretendemos realizar uma retomada histórica sobre a origem do Dia da Consciência neste artigo. O que desejamos é leva-los à outras considerações relacionando a simbologia do Dia da Consciência Negra e os o fenômeno da Intolerância Religiosa no Brasil que, justamente no caso das religiões de matrizes africanas, representam quase metade das denúncias recebidas pelo Disque 100, nos últimos três anos, de acordo com dados recentemente divulgados nos sites do Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos e no Brasil de Fato.
Quando nos referimos às religiões de matrizes africanas praticadas em nosso país, estamos nos referindo tanto àquelas mais conhecidas, como Candomblé e Umbanda e, também, às outras religiões, como: Candomblé de Caboclo, Batuque, Tambor de Mina, Cabula, Catimbó, entre tantas outras. Vocês, queridos leitores, já ‘ouviram falar’ sobre quantas dessas religiões? Conheciam todos esses nomes? Sabem nos dizer quais são as ritualísticas delas e o que têm em comum além das matrizes africanas?
Provavelmente, a maioria de vocês desconhecia, até o momento, a existência de alguns desses nomes. E também, possivelmente, já se depararam com informações e representações distorcidas sobre algumas dessas religiões – geralmente o Candomblé e a Umbanda – nas mídias (novelas, filmes ou programas televisivos, em geral) onde elas costumam ser retratadas, ora de modo debochado, por quem produz conteúdos audiovisuais escarnecendo dessas manifestações religiosas, ora de modo pejorativo com uma ideia de que essas religiões – e seus respectivos líderes – fazem o mal para o próximo ou, então, não passam de grandes espetáculos de charlatanismo para enganarem e extorquirem a fé alheia (MARIOSA, 2017).
As representações que atribuem a ‘enganação’ ou a ‘maldade’ como intrínsecas a essas manifestações religiosas é algo ainda mais nocivo do que as chacotas (que, obviamente, também constrangem os fiéis e manipulam o público leigo), pois esse tipo de representação contribuiu para perpetuar o que Sidnei Nogueira (2020) define como Intolerância Religiosa ao afirmar que esse fenômeno “não é algo recente na história da humanidade e muito menos na história do Brasil. Todavia, suas formas de manifestação têm sido modificadas de acordo com a organização política, cultural e econômica de cada sociedade em determinado tempo e espaço” (NOGUEIRA, 2020, p. 19.). O autor ainda acrescenta que “o preconceito, a discriminação, a intolerância e, no caso das tradições culturais e religiosas de origem africana, o racismo se caracterizam pelas formas perversas de julgamentos que estigmatizam um grupo e exaltam outros sustentados pela ignorância” (NOGUEIRA, 2020, p.19).
Por isso, é necessário ao historiador, ao artista ou ao produtor de conteúdos midiáticos agirem de forma ética ao tornarem públicas imagens e representações de quaisquer povos, culturas, religiões, etc (ROVAI, 2018) para que o público que acessa essas produções não continue perpetuando distorções e preconceitos. Não estamos a afirmar e nem poderíamos, obviamente, que apenas as religiões de matrizes africanas sofrem com a Intolerância Religiosa no Brasil – esse problema é muito mais amplo, infelizmente – mas estamos, nesta semana que antecede o dia 20 de Novembro, instigando-os a refletirem sobre a temática central aqui apresentada e, mais do que isso, a se sensibilizarem, honesta e positivamente, diante das manifestações religiosas de matrizes africanas existentes em nosso país e que, certamente, enriquece-nos culturalmente enquanto nação.
Referências:
Balanço Anual: Disque 100 registra mais de 500 casos de discriminação religiosa. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. [online]. <https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2019/junho/balanco-anual-disque-100-registra-mais-de-500-casos-de-discriminacao-religiosa > Acesso em 10.nov.2021.
No Dia de Combate à Intolerância Religiosa há “pouco a comemorar", diz liderança. Brasil de Fato [online]. <https://www.brasildefato.com.br/2021/01/21/no-dia-de-combate-a-intolerancia-religiosa-ha-pouco-a-comemorar-diz-lideranca > Acesso em 11.nov.2021
ARISPE, Fernanda Nunes da Silva. Consciência Negra como notícia: O 20 de novembro da RBS TV. [online] < http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sul2012/resumos/R30-1307-1.pdf > Acesso em 11.nov.2021.
MARIOSA, Gilmara Santos. Mídia e Religiões de Matriz Africana. In: Conferência Brasileira de Mídia Cidadã [online]. Minas Gerais, 2017. < https://www.ufjf.br/midiacidada2017/files/2018/10/M%c3%addia-e-Religi%c3%b5es-de-Matriz-Africana.pdf > Acesso em 11.nov.2021.
NOGUEIRA, Sidnei. Intolerância religiosa [livro eletrônico] / Sidnei Nogueira. -- São Paulo : Sueli Carneiro ; Pólen, 2020. 160 p. (Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro).
ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira. Em Publicizar sem simplificar: o historiador como mediador ético. In. História Pública em debate: patrimônio, educação e mediações do passado / Juniele Rabêlo de Almeida e Sônia Meneses, (organização) -- São Paulo (SP): Letra e Voz, 2018, p. 185 – 196.