Quarteto Fantástico: Primeiros Passos
Dificilmente você irá encontrar algum fã de quadrinhos que não torça o nariz quando ouve falar da junção Quarteto Fantástico + Cinema. Infelizmente, a grande família de heróis da Marvel foi massacrada repetidamente em suas adaptações para a tela grande. Boa parte da culpa por isso vem, é claro, da finada Fox, comprada há pouco tempo pela Disney. Após tantas tentativas e fracassos, ninguém diria que essa família tão maltratada no universo dos super-heróis nos cinemas encontraria redenção justamente ao lembrar que, antes dos poderes, eles são pessoas. Quarteto Fantástico: Primeiros Passos, acabou de chegar aos cinemas e dá o pontapé inicial na fase 6 do MCU. O filme chega em um momento crítico para o gênero: os lançamentos mais recentes da Marvel não agradaram à crítica nem alcançaram as expectativas do público. Em contrapartida, há pouquíssimo tempo, sua principal concorrente conquistou ambos com o lançamento do novo Superman. Diante desse cenário a Marvel/Disney aposta todas as fichas nessa família de heróis já tão estigmatizada no meio cinematográfico, será que dessa vez farão justiça aos heróis do Quarteto Fantástico? Sobre isso, a Coluna Sétima Arte dessa semana trará algumas considerações.
O primeiro ponto a se destacar sobre Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é o fato de ele seguir a mesma cartilha do recente Superman. Ou seja, diferente das abordagens anteriores, o diretor Matt Shakman buscou, nessa versão, não perder tempo com a tradicional narrativa de origem. Quando o filme começa, Reed Richards, interpretado por Pedro Pascal, Sue Storm, papel de Vanessa Kirby, Johnny Storm encarnado por Joseph Quinn, e Ben Grimm, vivido por Ebon Moss-Bachrach, já são celebridades — heróis reconhecidos e amados, inseridos em uma realidade alternativa chamada Terra-828. A escolha de começar com o time já estabelecido é ousada, mas acertada. O roteiro não está interessado em nos dizer como eles se tornaram super-heróis, e sim quem eles são enquanto seres humanos, ou melhor, enquanto família.
Partindo disso, é possível afirmar que o filme é mais do que uma reinicialização da franquia: é uma reinterpretação afetiva e visualmente encantadora que transporta para a tela grande um pouco do que foi a Era de Prata dos quadrinhos da Marvel. Finalmente, após tantas tentativas frustradas, o público pode ver um filme que entende o coração do Quarteto Fantástico e mais do que isso, se permite bater nesse compasso.
A trama principal gira em torno da ameaça de Galactus, o colossal Devorador de Mundos, e de sua arauto, a etérea Shalla-Bal, interpretada com enigmática serenidade por Julia Garner. Em vez de uma sequência interminável de batalhas destrutivas, o filme opta por explorar o impacto psicológico da iminente destruição da Terra. Galactus não aparece como um monstro barulhento, mas como uma entidade silenciosa e imponente, cuja ameaça é construída com tensão e elegância, uma aula de direção atmosférica por parte de Shakman, que já demonstrou uma grande sensibilidade narrativa na série WandaVision.
Mas o verdadeiro centro emocional da história é a decisão que Reed e Sue precisam tomar diante da exigência de Galactus: entregar seu filho, Franklin, como uma forma de salvação planetária. Essa premissa, que poderia facilmente seguir o caminho mais fácil do clichê e enveredar para o melodrama gratuito, ganha força nas mãos de um elenco afiado e comprometido. Pedro Pascal entrega um Reed mais humano do que nunca. Ele é um gênio dilacerado entre o dever científico e o amor paternal. Vanessa Kirby, por sua vez, é a alma do filme. Sua Sue Storm é carismática, firme, e profundamente empática, um equilíbrio raro que a coloca como o eixo emocional da equipe.
Joseph Quinn traz charme e vivacidade ao Tocha Humana, com sua irreverência juvenil funcionando como um alívio cômico que nunca destoa da seriedade do enredo. E Ebon Moss-Bachrach faz de Ben Grimm, o Coisa, um dos personagens mais tocantes do MCU. Vale destacar que sua interpretação combina força física com uma fragilidade emocional que toca fundo no público. Em meio a conflitos intergalácticos, o que se apresenta na tela é uma família tentando proteger aquilo que mais importa: uns aos outros.
Visualmente, Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é um deleite. A estética retrofuturista faz o público mergulhar num universo que parece saído de uma fusão entre a ficção científica dos anos 1960 e um delírio juvenil dos anos 2000. Os figurinos remetem aos quadrinhos clássicos, enquanto a direção de arte aposta em cenários detalhistas, televisores retrô e robôs assistentes como o adorável H.E.R.B.I.E., tudo com um toque nostálgico que não soa forçado ou artificial, mas sim cuidadosamente calculado para construir um mundo coeso e intrigante.
É claro que, como sempre, nem tudo são flores. O CGI funciona bem nos momentos-chave, como, por exemplo, nos poderes de Reed ou na aparição da Surfista Prateada, porém apresenta oscilações que por vezes comprometem a imersão do público. O roteiro também peca ao abordar superficialmente questões sociais complexas. Ao situar a história em uma realidade “idealizada”, o filme acaba deixando de lado debates que poderiam enriquecer a ambientação, como diversidade racial e igualdade de gênero, tão caros para o cinema da atualidade. Em alguns momentos, a Terra-828 parece mais uma propaganda de margarina do que um mundo crível. Ainda assim, esses deslizes não anulam o mérito maior da produção, que é devolver humanidade a um grupo que, por tanto tempo, foi tratado como caricatura.
Um dos maiores acertos do filme está justamente na forma como equilibra espetáculo e intimidade. A trilha sonora de Michael Giacchino reforça essa dualidade, oscilando entre temas grandiosos e melodias delicadas que acompanham os momentos mais pessoais dos personagens. E o terceiro ato, que em geral, nesse gênero, costuma descambar para a tradicional batalha final com explosões e CGI desenfreado, trilha um caminho diferente. O diretor escolhe o caminho da união e do sacrifício, destoando da cartilha já consagrada dos filmes de herói. A salvação do planeta não vem apenas das habilidades sobre-humanas, mas da capacidade de ouvir, negociar, amar e, acima de tudo, permanecer juntos.
Por que ver esse filme? Quarteto Fantástico: Primeiros Passos talvez não seja o melhor filme da Marvel em termos de inovação narrativa ou profundidade filosófica, mas é, sem dúvida, o que mais entende a essência de seus personagens. Ao invés de reinventar a roda, ele a faz girar com mais suavidade e sentido. É um filme sobre salvar o mundo? É, mas, é mais do que isso, é um filme sobre salvar aquilo que nos torna humanos. Em tempos de narrativas cansadas e fórmulas repetidas, essa abordagem soa como um sopro de ar fresco e só por isso já faz valer a pena a ida ao cinema. No fim das contas, como toda e qualquer família, o Quarteto Fantástico é imperfeito. Mas é justamente essa imperfeição que os torna reais, próximos e memoráveis. Depois de anos de tentativas fracassadas, os “primeiros passos” foram, enfim, os passos certos. E se os próximos forem dados com a mesma coragem, sensibilidade e ousadia, talvez estejamos diante de mais uma franquia promissora da Marvel. Boa sessão!